O campo e cidade

O campo e cidade

Quem vive na urbe, na cidade, não nasceu para acordar tão cedo, para quebrar geada de madrugada, lidar em condições tão adversas

Paulo Mendes

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Começou no fim de semana passado e se encerra neste domingo mais uma edição da Expointer, esta feira tradicional do nosso Estado. Quem vive ou viveu algum tempo no Interior sabe que todo produtor quer brilhar em Esteio, no Parque de Exposições Assis Brasil. Desde o grande pecuarista, o cabanheiro de ponta – que adora trazer suas descobertas – passando pelo médio granjeiro, que busca se tornar maior – até o pequeno lavoureiro, que no Pavilhão da Agricultura Familiar mostra com orgulho o resultado das variedades de culturas com que trabalha, e isso pode ser apreciado nos doces, pães, geleias, embutidos, mel, queijos, licores, etc. Vale destacar, ainda as exposições de artesanato, as peças em couro, osso e madeira, os cuteleiros, os guasqueiros e outros mestres e artistas. 

Na Expointer o campo apresenta para a cidade o que é feito lá. A cidade olha extasiada para os animais, as provas e as exposições. É uma conjunção, uma conexão de um com o outro. Ambos sabem que estão ligados, que não vivem separados, um produz e o outro consome. E quem vive e produz no campo teria grande dificuldade em se transferir para a cidade, não tem o dom, o DNA para viver entre milhares. Quem vive na urbe, na cidade, não nasceu para acordar tão cedo, para quebrar geada de madrugada, lidar em condições tão adversas. São trabalhos diferentes, alguns na cidade, também são duros e cansativos, mas os de campo carregam diferenças, como a solidão, os descampados. E quem está acostumado a eles se sente desconfortável em meio à multidão, principalmente nas ruas das cidades de médias a grandes. 

Desde que vim morar na Capital, por uma necessidade de trabalho, me chamava a atenção como a criançada ficava impressionada com os pequenos animais, principalmente os filhotes, terneiros, suínos, ovinos, as aves, os coelhos, tudo. A feira é um local de negócios, da agricultura, da pecuária, da tecnologia, que movimenta milhões de reais, mas também uma oportunidade de se compreender a história, a economia, a sociologia e a tradição do Rio Grande do Sul, um estado genuinamente agropecuário, onde o boi e o cavalo sempre exerceram uma empatia e uma simbiose com o homem. Vários estudos já foram realizados e explicados, a literatura regionalista gaúcha é vasta e rica, e toda ela versa sobre a relação entre o habitante e seu meio, por entre terneiros e borregos que nascem entre as macegas, as gerações de gente e bicho que foram se sucedendo e redesenhando o mapa do Rio Grande a pata de cavalo. Nossa agropecuária foi e sempre será pujante debaixo deste céu azul. 

O tempo passa, os homens mudam e se transfiguram, o progresso chega, as formas de produzir se alteram, a tecnologia e as pesquisas trazem inovações, mas os gaúchos seguem vestindo suas pilchas, de bota e bombacha, revisitando um passado já tão distante, mas servindo de lume para o trabalho no presente e desbravando futuro. Depois da pandemia, depois de duas terríveis secas, o Rio Grande mostrou sua resiliência, seu denodo, sua garra e sua unidade em meio às diferenças. Lá no alto vejo a bandeira tricolor tremulando ao vento, como a dizer que estamos aqui, vivos, brigando, lutando, mas seguindo em frente. Somos assim, duais, juntos e separados. 


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