Quando Perrinho chorou
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Olhando agora para o rio que baixava, tentava se lembrar do cheiro de Fugêncio. Era um cheiro de fumo em corda, forte, que o dono pitava quando chegava em casa ao anoitecer, após suas carroceadas pela vila, fazendo pequenas changas e catando lixo seco. Quantas vezes ficava deitado perto de suas penas, cheirando as bombachas. Ah, como era bom e amigo aquele cheiro, nenhum homem mais o exalava, pelo menos daquele jeito. Os outros cheiravam a cigarro em maço, de fábrica, fedorentos. O palheiro de Fugêncio sim, tinha cheiro bom, adocicado.
Dona Aninha então, tinha aquele cheiro de cozinha, que lembrava comida boa. Desde criança Aninha cheirava a armazém, quando ajudava o pai no bolicho. Agora Perrinho gostava de cheirar suas saias compridas, onde ela enxugava as mãos e deixava o odor de linguiça, carne fresca, guizadinho que Fugêncio comprava todos os dias no açougue perto da rodovia. Ela fazia um feijão tão bom, quentinho, que a família comia na mesa, alumiada por um lampião a querosene. Perrinho ficava embaixo, catando tudo o que achava. Que tempo bom havia sido aquele.
E havia Guta, ainda bebê, se empanturrando de leite, sempre com a mamadeira na mão. Às vezes derrubava, Perrinho corria rápido e tomava aquele leitinho morno, já meio azedinho. Guta tinha aquele cheiro de criança pequena, inconfundível. Já Lalau cheirava a doce, balas, tijolinhos e à rapadura que ele carregava aos montes nos bolsos.
Depois de dar voltas e voltas ao redor da casa de madeira, Perrinho ficou olhando desolado para o rio. Não sabia para onde ir. Agora era um cachorro perdido, abandonado por causa da enchente. Onde estivessem, queria estar com eles. No meio daqueles cheiros bons. Um guri passou perto, atirou-lhe uma pedra e disse à mãe: "Aquele cachorro parece estar chorando". "Bobagem, cachorro não é gente, não chora".