Conversa de Carro: o clima que encurrala o automóvel

Conversa de Carro: o clima que encurrala o automóvel

No desastre climático, o símbolo da mobilidade humana fica imóvel

Renato Rossi

Preocupação com o clima contrasta com maior parte da história da indústria

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E quando o maior símbolo da mobilidade humana, o automóvel, fica imóvel. Pior, se tenta se mover, cairá no rio, na ponte que rompe, na cratera que abre, na avalanche de lama que o carrega, na furiosa e poderosa corrente de água que o carrega. Eis o automóvel no Rio Grande do Sul nesta semana. Está encurralado em áreas restritas, relativamente seguras, onde poderá sobreviver preservando as vidas dos seus ocupantes. Mas nem se conhece o número exato dos carros que sumiram nas encostas de morros, que despencaram pontes, que caíram com carros sobre as pistas, entre outros imprevistos trágicos que agora inviabilizam o uso de veículos terrestres em um Estado do Brasil que literalmente submergiu numa das piores enchentes da história do país.

A indústria automobilística há no mínimo duas décadas lida com cenários devastadores gerados pelo Aquecimento Global. Do grande "circo tecnológico" montado anualmente em Arjeplog, ao norte da Suécia, a 900 km de Estocolmo, onde automóveis e SUVs enfrentam uma condição climática extrema em um grande lago gelado, que se torna um laboratório a céu aberto a 30 graus abaixo de zero, onde engenheiros e cientistas analisam em testes de rodagem e depois na área de laboratórios adjacentes ao lago de Arjeplog, qual o nível de stress que os sistemas vitais de um automóvel suportam.

É lógico que a inclemência do clima exige novos materiais que deixem um veículo seguro sob o frio mais intenso, a nevasca destrutiva. Nos últimos cinco anos, o circo tecnológico de Arjeplog, que exige investimentos de centenas de milhões de dólares, tem recepcionado o "carro elétrico", que mostrou a vulnerabilidade do carro elétrico ao frio. E a bateria de íon-lítio é o componente que mais sofre com o frio, com redução da eficiência em mais de 500, o que reduz drasticamente a autonomia do carro elétrico. Mas isso em um ambiente de uso possível de qualquer veículo, o que não inclui cenários de desastres climáticos, como as enchentes devastadoras que mostram o chamado "novo normal" das catástrofes climáticas e ambientais que têm origem no aquecimento global.

Que além do desafio do frio congelante, traz agora fenômenos climáticos como o calor intenso, que gera incêndios devastadores. Que derrotaram o Estado mais rico dos riquíssimos Estados Unidos da América, a Califórnia. O que as telas do mundo mostraram foram cenas aterradoras de famílias que gravaram suas mortes em rodovias que incendiavam. E milhares de pessoas morreram queimadas. E mansões em lugares paradisíacos nas montanhas próximas a cidades míticas como a megalópole Los Angeles ou a charmosa Carmel, que na época pré-aquecimento global era apenas a bela cidade de frente para o Oceano Pacífico, que tinha como prefeito o astro de cinema Clint Eastwood.

Mas não há nada de mítico ou paradisíaco em corpos que queimam em habitáculos de veículos vulneráveis ao incêndio. A tragédia na Califórnia induziu as grandes marcas como Ford e General Motors a acelerarem pesquisas relacionadas ao uso de materiais que pudessem retardar a ação de calor destrutivo no habitáculo do veículo. É lógico que nenhum veículo suportará incêndio de grande proporção. Mas nos incêndios recentes, SUVs de última geração mostraram excessiva vulnerabilidade ao calor intenso.

O temor agora em relação a possíveis novos incêndios é o efeito do calor destrutivo sobre as baterias de íon-lítio, que são explosivas e têm uma particularidade: uma bateria de íon-lítio pode queimar por 48 horas ou mais. E ainda não existe tecnologia disponível para apagar incêndio de carro elétrico. Em 20 incêndios de um Tesla, exigiu-se que o corpo de bombeiros de Los Angeles consultasse a engenharia da Tesla para saber como apagar o incêndio. Este cenário extremo exigirá uma revolução tecnológica na indústria automobilística. Mas se o aquecimento global continuar como o estopim de catástrofes climáticas cada vez mais destrutivas, então será mais razoável que marcas famosas como Toyota, Ford, Volkswagen, Mercedes, troquem a produção automobilística pela produção de bunkers, onde finalmente os seres humanos estarão seguros. É uma ironia sobre algo mais sério. O planeta Terra está no limite. A interpretação é ampla.


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