Nos bastidores das feiras: conheça 3 empreendedoras que fazem história nas ruas de Porto Alegre

Nos bastidores das feiras: conheça 3 empreendedoras que fazem história nas ruas de Porto Alegre

Amanda Obst, Natalia Guasso e Any Meleski criaram projetos que fortalecem o empreendedorismo feminino

Camila Souza

publicidade

Há quem decida empreender em busca do sucesso financeiro, da ascensão social ou da flexibilização de horários. Mas para as mulheres existe algo muito maior por trás dessa escolha. Para elas, ser dona do próprio negócio também representa liberdade e realização de sonhos. Conquistar a independência financeira em uma sociedade que desde sempre pregou a submissão de mulheres aos homens é um ato revolucionário. 

E não é preciso ir muito longe para encontrar mulheres corajosas para fazer revolução. Em Porto Alegre existem muitas por trás da produção das feiras de rua que movimentam a economia local. Neste 8 de março, dia que traz muito mais motivos para refletir do que para celebrar, o Correio Feminino conta a história de três delas. Lidando com os desafios de ser mulher, com a falta de incentivo e até mesmo com os contratempos da maternidade, Amanda, Any e Natalia decidiram criar seus próprios negócios, que hoje impactam a vida de muitas outras pessoas. 

O Asa Coletivo, um projeto de fortalecimento do empreendedorismo feminino que promove diversas feiras na Capital, nasceu de uma inquietação de Amanda Obst, de 36 anos. Ela vivenciou várias experiências no mercado de trabalho, passou por algumas empresas, mas sempre com o desejo de fazer algo diferente. “Me sentia muito deslocada, sentia falta de poder construir a minha história em algum negócio”, conta.

Quando montou uma confeitaria com uma amiga, em 2016, fez sua primeira participação em feiras, que ainda eram poucas e aconteciam em espaços fechados. A dupla decidiu, então, criar sua própria feira, mas em um formato diferente. Elas formaram uma parceria com o Espaço 512, na Cidade Baixa, e passaram a ocupar o local uma vez por mês, trazendo artistas e expositores. Foi nesse momento que Amanda pensou ter encontrado um caminho para seguir. 

Mas o projeto foi interrompido com a mudança da amiga para os Estados Unidos. “Me senti sem chão e insegura pra tocar sozinha”, relata Amanda. Ela conta que as críticas vindas até da própria família a desmotivaram: “Eu já era mãe, meu filho tinha 5 anos. Eu sentia um julgamento por não ter a estabilidade que as pessoas esperam. Era mãe solteira, com a faculdade trancada, promovendo feiras.”

Depois de uma tentativa frustrada de voltar para o mercado de trabalho, Amanda decidiu, em 2018, retomar contatos para o projeto das feiras. Com retornos positivos, se encorajou para seguir sua vontade de empreender: “Senti que eu devia seguir aquele caminho e me joguei. Dessa vez, sozinha e grávida da minha segunda filha. Assim, nasceu o Asa Coletivo.” Para ela, o nome do projeto tem um significado especial: “Acredito que somos seres de uma asa só e que para voar a gente precisa juntar asas com outras pessoas. Isso me move.”

Entre os eventos realizados pelo Asa está o Foca nas Gurias, totalmente dedicada ao empreendedorismo feminino, e o Mixturinha. E as mulheres, principalmente mães, são maioria entre os expositores: “Muitas começam depois da maternidade porque o mercado de trabalho é cruel para as mães. Nenhum pai quando vai para uma entrevista recebe a pergunta de onde vai deixar o filho quando estiver doente, mas a gente enfrenta muito isso.” Para Amanda, ser dona do próprio negócio trouxe autonomia para construir sua própria história. “O mercado precisa de mais mulheres que se posicionam. Eu acredito que o empreendedorismo é um caminho para construir nossa história e ter poder sobre nossas escolhas”, afirma.

Uma paixão que nasceu na infância

Quem também se dedica para produzir feiras é Any Meleski, de 31 anos. Seu projeto, o Coletivo de Rua, vai completar um ano neste mês, mas sua paixão pelos eventos de rua começou muito antes. “Minha mãe foi empreendedora, sempre me levou para as feiras e eu via como um lugar meio mágico”, explica. Quando se tornou mãe, Any parou de trabalhar fora. Com um legado vindo de família, unindo as paixões por moda sustentável e administração, ela criou, há cinco anos, seu primeiro negócio: o brechó Cabide Coletivo. 

A partir dele, surgiu a ideia de ocupar as ruas com eventos. Assim, em 2022, nasceu o Coletivo de Rua: uma feira ao ar livre que reúne atrações culturais e marcas autorais de moda, artesanato e gastronomia. O principal objetivo, além de movimentar a economia, é dar mais visibilidade para artistas e expositores locais. “Sempre eles em primeiro lugar. Como empreendedora de brechó, já participei de várias feiras e sei o quanto isso é necessário para quem não tem loja física”, enfatiza.

Mesmo sendo uma paixão antiga, a escolha de empreender nem sempre é fácil. Assim como Amanda Obst, Any enfrenta os desafios da maternidade enquanto coordena seus projetos. “Sendo mãe, o tempo e o cansaço são as principais dificuldades. A baixa de vendas também dá uma chateação, porque é um mercado muito variável”, comenta. Contudo, apesar do cenário desafiador, ela se sente realizada. Hoje, Any é uma das responsáveis por dar vida àqueles “lugares mágicos” que visitava com a mãe na infância. E para ela, o empreendedorismo representa liberdade: “Tanto a liberdade de ir e vir, até na agenda, mas principalmente a liberdade de ter suas ideias, saber o que quer fazer e poder colocar para fora”, reflete.

“Mulheres empreendem porque existe um sonho”

O Brick de Desapegos também se destaca nas ruas de Porto Alegre. E quem está por trás deste projeto desde 2011 é Natalia Guasso, de 40 anos. “Sempre trabalhei como freelancer, já tenho um pouco dessa natureza empreendedora, mas no Brick eu levei a sério e comecei a gostar de ser minha própria chefe”, conta. O que começou apenas com brechó e feiras foi crescendo e ganhando novas vertentes, se tornando um espaço de acolhimento e fortalecimento do empreendedorismo feminino. Mas ao longo de sua trajetória, Natalia precisou lidar com a falta de crença das pessoas neste modelo de negócio e com a falta de conteúdos e capacitações para o segmento. 

Por isso, decidiu desenvolver projetos de apoio. “Criei vários braços porque eu sei que essas vão ser as dificuldades das mulheres que eu represento hoje, que são as empreendedoras de moda circular e sustentável”, explica. A Escola Brick, lançada no ano passado, é um destes braços. O propósito é oferecer cursos focados nos pequenos e médios empreendedores de moda circular, sendo um espaço de apoio e de troca de conhecimento. A importância das feiras, precificação, atendimento, visual merchandising e produção de moda para brechós foram alguns temas já abordados nas capacitações.

No final de 2022, o projeto ganhou mais uma vertente: a Casa Brick, uma loja coletiva que reúne marcas de moda autoral, circular e sustentável. A ideia é que o empreendimento receba expositores temporários, mini exposições e lançamentos de novas marcas, dando ainda mais visibilidade para empreendedores locais. “Outra novidade que chega já neste ano é o marketplace do Brick”, antecipou Natalia. 

Ela destaca que a rede de apoio entre mulheres está se tornando cada vez mais potente, principalmente neste período pós-pandemia. “Busquei apoio em lugares como o Instituto RME - Rede Mulher Empreendedora. Essas redes de mulheres sempre existiram, mas nunca foi tão forte. Talvez antes nem fosse tão acessível”, avalia. Se para muitos o empreendedorismo representa sucesso financeiro, para Natalia, vai muito além disso: “As mulheres fazem porque existe um sonho que vai além do dinheiro. Eu sou muito feliz com o que eu faço. As mulheres vão criando redes e vão conseguindo fazer o que elas querem.”

Os projetos de Amanda, Any e Natalia, ainda que independentes, se ligam por propósitos muito parecidos. A decisão de criar o próprio negócio é apenas uma amostra de como essas e muitas outras mulheres estão determinadas, mais do que nunca, a conquistarem seu espaço e serem donas de suas histórias. Se esta escolha representa um pequeno ato revolucionário, ao que tudo indica, a revolução está apenas começando.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895