A ação deve ser coletiva e urgente

A ação deve ser coletiva e urgente

É interessante notar que um país vizinho está começando esta discussão

Christian Bueller

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O senhor destacou, durante o evento do Sindicato dos Engenheiros do RS (Senge-RS), o fato de não ser um especialista ou um cientista e, justamente por causa disso, ter um lugar de fala sobre o tema das mudanças climáticas. Para um ativista, como lidar como isso?

Estamos falando de uma crise que impacta diretamente a nossa vida, então, é um assunto de especialistas e também de não especialistas. Uma parte do nosso trabalho no Greenpeace é convencer pessoas não especialistas de que este tema é importante e convencê-los a fazer algo a respeito.

Ao contrário do que muita gente pensa, o problema vai além da temperatura do planeta. Como isso tem se refletido pelo mundo? 

A crise climática é um fenômeno que apresenta dimensões muito diversas, muito diferentes. No Brasil, nos acostumamos a situações de eventos extremos: ciclones, secas, chuvas torrenciais. Mas há outros desdobramentos, como o degelo do Ártico, que afeta 40% dos edifícios no norte da Rússia. Em outra ponta, temos a Colômbia, que prepara a primeira lei sobre “migrações climáticas” na América Latina. É interessante notar que um país vizinho está começando esta discussão sobre pessoas que migram como resultado das mudanças climáticas. Um estudo do Banco Mundial diz que, dentro de três décadas, teremos 216 milhões de migrantes climáticos. Na Argentina, o Ministério de Relações Exteriores informou que vai emitir um visto humanitário para pessoas de México, Caribe e América Central que sejam migrantes climáticos.

Que ações poderiam ser tomadas para amenizar este cenário?

Nós, no Greenpeace, trabalhamos com três conceitos básicos: mitigação (formas de reduzir novas emissões), adaptação (sabemos que o planeta já está esquentando, precisamos nos adaptar a essa realidade e os governos precisam ter planos para responder) e perdas e danos (situações que não conseguimos evitar). Por isso, a necessidade de países que contribuem mais para as mudanças climáticas e são menos impactados por elas apoiarem as nações mais vulneráveis. Esta foi a grande discussão da última Conferência das Partes (COP) 27, a conferência do clima da ONU.

Há, portanto, uma relação injusta de quem causa os problemas climáticos e quem é mais atingido?

São as mesmas pessoas que estão pagando o preço. Ela é injusta em vários níveis, ainda mais se tratando da lista de países. Um exemplo é Tuvalu, pequeno país da Oceania, que está sendo engolida pelo oceano. É provável que, nas próximas décadas, tenham problemas graves ali. Na COP 26, em 2021, o ministro de Relações Exteriores fez um discurso dentro da água e uma frase viralizou: “Estamos afundando, mas o mesmo está acontecendo com todo mundo”. Fiji, uma ilha ali do lado, já está se movimentando para realocar cerca de 70 comunidades, como medida de resposta aos impactos. Outro nível de injustiça está mais perto de casa: quem é mais atingido tem raça, classe social e gênero. É um fato e as pesquisas mostram exatamente isso. Um levantamento do Instituto Pólis nas cidades de Belém-PA, Recife-PE e São Paulo-SP aponta que famílias negras, pobres e lideradas por mulheres estão mais sujeitas a tragédias ambientais. Isso nos leva a dois conceitos muito importantes: racismo ambiental e justiça climática.

Explique cada um deles, por gentileza.

Racismo ambiental é exatamente esta lógica que vimos no estudo. Há grupos de pessoas que sempre serão os mais impactados, a gente sabe. E são os que pagam preços mais altos. E este conceito está ligado ao da justiça climática. Seja qual for a nossa resposta, precisa considerar este componente. Porque, do contrário, corremos o risco de reforçar injustiças históricas com as quais estamos lidando há muito tempo nas nossas cidades e no nosso país. O que me chama atenção é que estas vozes, dos mais impactados, frequentemente, não estão nos espaços em que discutimos estes temas. E elas precisam estar.

Fala-se na importância da ação individual, mas ela é suficiente no contexto em que vivemos atualmente?

Nossos atos individuais são importantes: questionarmos nossos hábitos de alimentação ou de locomoção, a quantidade de plástico que consumimos. Por outro lado, a crise climática demanda uma resposta que tem de ser coletiva. Tem que ser sistêmica e urgente. Não dá para resolver esse negócio sozinho. Quando alguém pergunta “o que eu posso fazer?”, costumo responder para a pessoa se apropriar do assunto e trazer mais gente. Só vamos conseguir resolver por meio da mobilização, de um movimento climático que seja consistente e consiga mudar dinâmicas que estão muito arraigadas. Onde vai ser a COP 28? Em Dubai. Quem será o presidente da COP? Um executivo da indústria do petróleo! Em âmbito nacional, ótimo que tenhamos retomado ações contra o desmatamento. Mas isso preciso ser acompanhado. Mais do que isso: precisamos garantir soluções viáveis para a Amazônia. Pensar nas respostas, encontrar caminhos demanda gente, criatividade e ambição. Precisamos de um novo Plano Nacional de Adaptação. Não dá para ficarmos todos os anos naquela lógica de “ah, choveu mais que o previsto”. Não dá. Precisamos monitorar ações em níveis municipal e estadual também.


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