A arte da pintura e da medicina

A arte da pintura e da medicina

Tanto a medicina como a pintura abstrata compartilham a rotina de Marcelo Zanini.

Rodrigo Thiel

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Como surgiu o gosto pela arte abstrata e a iniciativa de pintar seus próprios quadros?

Primeiramente, eu sempre gostei de arte. A medicina também é uma arte. E o que eu faço especificamente na medicina, que é a cirurgia da face, é muito artístico. Tem que ter esse cuidado artístico. Um milímetro muda muitas coisas. Desde jovem, eu sempre gostei de pintar alguma coisa, mas tudo de uma maneira muito singela. Depois, foi um movimento crescente, e, então, prossegui pintando mais e mais. Em 1994, comecei a pintar com uma certa frequência e há três anos se tornou uma segunda atividade.

O que define a arte abstrata para o senhor e como é o processo criativo para pintar neste estilo?

Em um primeiro momento, a arte abstrata pode parecer, talvez, uma forma mais cômoda ou mais simples para realizar uma obra. Mas existe uma complexidade para alcançar o objetivo. No meu processo criativo, muitas vezes, em algum momento, a própria obra de arte vai me direcionando para um desfecho que nem sempre é o que gostaria. É como se fosse uma disputa, com cores e formas, trazendo sensações inesperadas. A própria obra em si me leva ao desconhecido e, para aceitá-la como terminada, percorro um longo caminho de reconstrução, do refazer, do recriar, com o intuito de alcançar, finalmente, o desejado. Observo se a composição me agrada, um processo de persistência em busca do acerto, de quando parar. Para mim, a obra abstrata deve ser impactante, deve transmitir alguma emoção ou despertar algum sentimento. A vivência do espectador influencia a leitura de uma obra, por isso, a interpretação sempre será individual. E isso é tudo muito diverso e me encanta.

De que forma explorar a arte abstrata auxilia o dia a dia como médico?

Realmente, existe uma correlação entre as duas artes. Como médico, sou muito preciso, pois a própria profissão assim exige. De certa maneira, a minha pintura reflete um pouco do que eu sou, do que é a minha profissão médica, deste preciosismo. Sinto que toda experiência na medicina, nesse cuidado, me influencia, de uma maneira ou de outra, na arte. Mas respondendo a tua pergunta, a arte também repercute, sim, na medicina. A pintura iniciou como um hobby, há quase 30 anos, penso que durante todo esse período a arte trouxe mais sensibilidade, acuidade e o senso estético aguçado no meu trabalho.

Como surgiu a ideia de transformar o ambiente da própria clínica em uma ‘galeria de arte’ e como os pacientes veem isso?

Lá atrás, atuando como um hobby, eu já tinha essa vontade de colocar nas paredes da minha casa as telas que pintava. A clínica tem um espaço amplo, então pude distribuir muitas delas por lá. Os pacientes adoram. Eles falam que é um lugar diferente, sentem o ambiente aconchegante. Realmente, muitos dizem: “Sinto como estivesse em uma galeria de arte”. Eles percebem também quando tem uma nova tela, fazem comentários e isso me deixa muito contente. Já tive pacientes que adquiriram telas, embora este não seja o propósito do espaço. Tudo isso é muito bacana, são obras que faço e gosto desse relacionamento dos pacientes com a arte. No último andar da clínica está o ateliê onde eu me solto, vivencio minha liberdade de criação. Há 20 anos, já possuía meu próprio ateliê. Agora, na pandemia, tive a oportunidade de reformulá-lo e me dediquei mais à pintura. Não tem mais volta, assumi como uma segunda atividade profissional a arte de pintar e não me vejo sem ela no meu dia a dia.

Qual a importância de cultuar a arte e a cultura em geral para profissionais da área da saúde?

Como comentei anteriormente, medicina é arte. Em minhas aulas, enfatizo sua relevância para aumentar a dimensão do fazer e atuar como médico, especialmente nesta área na qual atuo. A arte transforma a todos nós e, independentemente da profissão, ela melhora o entendimento do todo. Talvez, para a profissão médica, seja essencial. Talvez para a profissão médica seja essencial. A arte deve ser buscada, estimulada, assim como a cultura em geral, pois ampliam nossa percepção, sempre destaco isso.

O senhor se considera um médico que é pintor ou um pintor que é médico?

As duas coisas. Eu não consigo dissociar uma da outra e não consigo viver sem uma ou sem a outra.

"Medicina é arte. Em minhas aulas,
enfatizo sua relevância para
aumentar a dimensão do fazer e
atuar como médico, especialmente
nesta área na qual atuo. 
A arte transforma a todos
nós e, independentemente da 
profissão, ela melhora o entendimento
do todo. Talvez, para a profissão 
médica, seja essencial.
 "

O médico gaúcho passou a ser conhecido também pelas suas obras abstratas, participando de exposições no Brasil e no exterior. Algumas salas da Galeria Delphus, na avenida Cristóvão Colombo, tornaram-se recentemente uma verdadeira imersão na pintura abstracionista produzida pelo médico. Com curadoria de Paulo Amaral, a exposição Gestualle II evidenciou a liberdade criativa e profusão de cores de Marcelo Zanini. Focada em gestos de movimentos amplos, ela é a sequência de uma exposição realizada em Cascais, Portugal, em 2023. As obras também podem ser conferidas em sua clínica, no bairro Moinhos de Vento.


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