A globalização dos problemas

A globalização dos problemas

O economista britânico Benny Dembitzer conversou com o Correio do Povo

Felipe Uhr

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Soluções individualizadas, com a mobilização da população local. É assim que o economista britânico Benny Dembitzer, Prêmio Nobel da Paz em 1985, enxerga o caminho para resolver os problemas da humanidade. Aos 84 anos, ele esteve no Brasil realizando uma série de palestras em universidades. No dia 29 de agosto, por iniciativa da UniRitter, o professor do University College London (UCL) esteve no Auditório Master do campus Zona Sul da instituição, discutindo, entre vários temas, os reflexos da globalização e outros assuntos que colocam em risco o futuro da humanidade. Antes disso, ele falou com o Correio do Povo. Os principais trechos da entrevista, estão abaixo.

Hoje, muito se fala em desenvolvimento econômico com sustentabilidade. Isso vem sendo seguido?

Olha, vou começar dizendo algo que não faz sentido. Pouco antes da Segunda Guerra, Churchill se negou a falar “a linguagem” de Hitler. “Eu não vou embarcar nessa. Isso irá nos levar ao fascismo e nazismo”, dizia. E começou a falar em uma linguagem diferente, falar sobre liberdades individuais e responsabilidades individuais... Nós temos que parar de falar de globalização da maneira que as grandes corporações e os poderosos querem que façamos. Porque do jeito que estamos indo, a globalização dos problemas ambientais é sem sentido. Veja, há focos de incêndio na Amazônia correto? Quem irá resolver? Os brasileiros, correto? Mas você não pode, correto? Você não vai chamar os bombeiros franceses para vir até o Brasil para solucionar o problema? Claro que não. O Brasil terá a responsabilidade de fazê-lo. Eu não creio que existam problemas globais. Quando você começa a falar em problemas globais, você precisa começar a falar em soluções globais. Não, você precisa aceitar que há problemas comuns. O problema é que há pessoas pobres na Inglaterra, no Brasil e na Índia, e a solução em cada caso é diferente. Não creio que existam coisas que sejam globais. Há um perigo global de uma guerra nuclear, eu concordo, ok? Mas as outras coisas são problemas comuns, que se repetem em diferentes locais, diferentes sociedades e devem ser tratados de formas diferentes.

De que forma a globalização colabora com a degradação do meio ambiente?

Você sabe o que globalização causou. Deu a muitas pessoas o poder de se encontrar em grandes congressos e produzir grandes quantidades de gases. Então você tem esses congressos no Rio ou em Glasgow. Todos os anos há uma reunião dos muitos ricos e poderosos em Davos, correto? O ápice da estupidez e hipocrisia do mundo. Dois anos atrás, em Janeiro de 2020, um pouco antes da pandemia de Covid-19, houve uma reunião em Davos. E uma das principais palestrantes foi a garota sueca Greta Thunberg, que na época tinha 17 anos. A principal palestrante. Você sabia que em um dia houve 1.500 aviões privados no aeroporto de Zurique? Foram lá para escutá-la. Isto é o ápice da hipocrisia. Os principais líderes da indústria, os mesmos que estão causando o problema. Desde a Microsoft, a Amazon, a ministros da fazenda do Brasil e Estados Unidos, o presidente do Banco Mundial, estavam todos lá. E 1.500 aviões privados lá. Eles estão fingindo que farão algo, mas não podem. Estão paralisados pela própria estupidez do pensamento limitado de poder.

As pessoas estão falando demais e fazendo pouco?

Sim, absolutamente. Por exemplo, eu trabalho bastante na África, em particular em um pequeno país chamado Malaui, ao lado de Moçambique. É um dos mais pobres países de língua inglesa na África. Um dos problemas de Malaui, obviamente, são as crianças crescendo sem as vitaminas necessárias para crescer e se desenvolver. Então grandes organizações como Unicef vêm e falam: “nós sabemos o que vocês precisam, vocês precisam de mais vitaminas. Nós faremos bolacha a base de grãos, leite, açúcar, banana”. Onde estes ingredientes são produzidos? Na Europa. Ou no continente americano. O que não estamos permitindo é que produtores locais produzam alimentos variados, o que diminuiria a necessidade de importação destes biscoitos.


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