Afinal o que é o autismo?

Afinal o que é o autismo?

Por Felipe Uhr

Felipe Uhr

"Os tratamentos para as pessoas autistas vão na direção de buscar que as barreiras sejam diminuídas. Então, pessoas que conseguem receber o tratamento adequado às suas necessidades irão conseguir garantir ter sua circulação social de um modo mais amplo e consistente."

publicidade

A psicóloga e psicanalista Gabriela Xavier de Araujo pesquisa autismo há 15 anos. Doutora em Psicologia Psicanalítica pela Universidade Paris VII e Universidade de São Paulo (USP), durante sua trajetória conviveu com mães atípicas, trabalhando na área psicossocial e participando do debate pelas questões do avanço das políticas públicas de assistência e saúde, das políticas de inclusão, e de espaços de estudo. Gabriela faz pós-doutorado no Núcleo de Pesquisa em Psicanálise, Educação e Cultura (NUPPEC - UFRGS) e atende mães, pais e filhos atípicos.

O que é o autismo? 

O autismo é uma condição do neurodesenvolvimento que tem duas características principais: alterações na comunicação social e comportamentos e interesses repetitivos e estereotipados. É uma condição de manifestação precoce e que permanece ao longo da vida. Na versão atual do DSM-V (Manual diagnóstico e estatístico das doenças mentais, organizado pela Associação Americana de Psiquiatria, que se encontra em sua quinta edição), o autismo ganha estatuto de categoria: Transtorno do Espectro do Autismo. É definido como um transtorno do neurodesenvolvimento. Os transtornos mentais não são definidos por uma causalidade mental, as causas não são somente físicas, mas sim da expressão clínica mental, ou seja, por alterações da experiência subjetiva e do comportamento que se manifestam. Nessa proposição de transtornos do neurodesenvolvimento temos a ideia de um início muito precoce e de uma tendência evolutiva crônica. Não se trata de atraso ou interrupção do processo normal do desenvolvimento e sim da manifestação clínica de um processo atípico. 

Qual a diferença de um diagnóstico de autismo precoce para um tardio? 

O diagnóstico precoce tem um duplo efeito: incide tanto na pessoa com autismo, que pode ter acesso a terapias que possam auxiliar em seu desenvolvimento e também no meio (familiares, escola, etc), que poderá entender e buscar meios de suporte para entrar em contato. Comportamentos que podem ser lidos com estranhamento serão compreendidos de outro modo e assim respeitados. O prognóstico é sempre melhor quanto mais cedo for diagnosticada a condição de autismo. Os pediatras e as escolas, que são quem geralmente encontram as crianças nos primeiros tempos, primeiras circulações sociais para além da família, podem perceber sinais de dificuldade em relação à questão da comunicação, interesses sociais e comportamentos restritos e repetitivos. São peças fundamentais neste processo. 

Pessoas que têm autismo apresentam características semelhantes? 

Assim como dentro das pessoas com desenvolvimento típico temos um grande leque de características, também nas pessoas com desenvolvimento atípico, como é o caso do autismo, as características variam. O que se mantém são alterações, que podem variar na intensidade, na comunicação social e também a frequência e intensidade dos comportamentos/interesses repetitivos e estereotipados.

Quais os tipos e níveis de autismo?

Hoje nomeamos não mais graus de autismo e sim graus de suporte social. Pensamos então que fazem parte do nível 1 aquelas pessoas que precisam de pouco suporte, do nível 2 aqueles que precisam de suporte mais elevado e do nível 3 aqueles que precisam de suporte muito robusto. Pensando no suporte como o que cada um precisa para que possa ter sua circulação social e exercício da cidadania garantidos, por exemplo, para que a criança possa estar na escola e aprender, brincar e se comunicar como as outras. 

Como deve ser, idealmente, o tratamento do autismo?

Como cada pessoa com autismo apresenta características diferentes, as necessidades de tratamento podem variar. Mas, de modo mais geral, costuma ser necessário acompanhamento psicológico para pensar nas questões das relações, das comunicações, interesses e comportamentos; acompanhamento fonoaudiológico para que se possa avançar nas questões da linguagem e comunicação e para avaliar a necessidade de implantação de métodos de comunicação alternativa; acompanhamento com profissionais da psicomotricidade e integração sensorial, para trabalhar as alterações sensoriais e de vivência corporal; e também de terapia ocupacional, para pensar nas questões de rotina, atividades de vida diária e organizações dos espaços. Também é esperado que possa ser realizada a avaliação com médico, psiquiatra ou neuro, para que possam fazer uma boa avaliação clínica e a solicitação de exames para descartar comorbidades e de outras alterações que possam ter impacto no tratamento. O pediatra é fundamental neste processo, pois é ele quem primeiro encontra a criança e pode ir percebendo alterações. 

Quais as consequências para pessoas com autismo que precisam tomar remédios e acabam não tendo acesso? 

Não são todos os casos que necessitam medicação. As medicações são necessárias para comorbidades – como agressividade, agitação, ansiedade, alterações de sono – ligadas ao autismo e não para o autismo em si. Então, a falta de acesso a medicação configura um problema sério, mas sobretudo se é somada à falta de acesso às terapias elencadas anteriormente. 

Quais as consequências para pacientes sem acesso às terapias indicadas?

Pacientes com autismo que não recebem tratamento vão agravando suas alterações e dificuldades de comunicação, ficam sem pontes de contato. Muitas vezes se questionam diagnósticos de autismo porque há pessoas que estão sendo tratadas e conseguem ter uma vida com ampla circulação. Os casos que não são tratados podem ficar como aqueles autistas clássicos do imaginário social, como mais isolados e sem comunicação. As terapias também estabelecem redes entre os espaços pelos quais o paciente transita. Então, para uma criança que está na escola, o diálogo entre terapias, familiares e escola será de grande valor e cuidado para a criança. 

Ter acesso a tratamentos sem interrupção faz que tipo de diferença para alguém com TEA? 

Os tratamentos para as pessoas autistas vão na direção de buscar que as barreiras sejam diminuídas. Então, pessoas que conseguem receber o tratamento adequado às suas necessidades irão conseguir garantir ter sua circulação social de um modo mais amplo e consistente. 

E para quem cuida de seus filhos com TEA, é aconselhável que tipo de terapia? 

Não há indicação específica de terapia para pais e mães de crianças com autismo, mas sim que possam ser escutados e orientados nas questões que o autismo de seus filhos produz. Em geral, esses espaços acontecem nos próprios lugares de tratamento dos filhos, quando realizados por profissionais atentos e disponíveis. 

Até onde a questão financeira pode influenciar no tratamento de alguém com TEA?

O Brasil teve um desenho de rede de atenção psicossocial (RAPS) dentro do SUS que estava bem aquecido. Nos últimos anos houve um grande desmantelamento destas políticas. Então, certamente a questão financeira acaba se tornando um diferencial, posto que houve uma diminuição de oferta de serviços públicos. 

A quais sinais os pais devem ficar atentos, que alertam para a possibilidade de o filho apresentar TEA?

As manifestações do autismo costumam ser precoces, dentro dos primeiros meses de vida. Um dos primeiros sinais é a questão da não fixação do olhar e a falta de atenção compartilhada. Atrasos de fala e outras dificuldades de comunicação também merecem atenção. Importante ressaltar que assim como esses sinais nem sempre estão presentes nas pessoas com autismo, nem todas que o manifestam são pessoas com autismo. Uma avaliação clínica com profissionais especializados é sempre necessária.

 


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895