Airton Ortiz: "Temos a imagem de que Londres é uma cidade aristocrata. Mas não é"

Airton Ortiz: "Temos a imagem de que Londres é uma cidade aristocrata. Mas não é"

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Airton Ortiz lança Airton Ortiz lança "Londres". "Foto: Ricardo Giusti


O escritor gaúcho Airton Ortiz lança seu novo livro, “Londres” (editora Benvirá). O patrono da Feira do Livro de Porto Alegre em 2014 e criador do gênero Jornalismo de Aventura mantém sua tradição de lançar um livro por ano sobre uma viagem realizada. Desta vez, obra apresenta crônicas sobre sua experiência na capital britânica. O livro alterna informações históricas com observações do autor, resultando em uma leitura leve e com pitadas de humor. Aqui um entrevista com o autor.

Correio do Povo : O senhor dedica este livro a quem tomou a decisão de não cobrar ingressos nos museus e galerias de arte de Londres. Como foi essa experiência?
Airton Ortiz: Maravilhosa! E a dedicatória é sincera. Porque Londres tem os melhores museus e galerias de arte do mundo, com entrada gratuita. Os museus de Nova Iorque e Paris, por exemplo, são caríssimos. Claro que os britânicos têm um certo complexo de culpa porque seus museus abrigam material pilhado de suas ex-colônias e de várias partes do mundo. Muita coisa foi roubada, esta é a palavra. Então, talvez por isso, se sintam constrangidos em cobrar ingresso. Mas independente do motivo que fez com que a entrada fosse de graça, é um grande incentivo para as pessoas adquirirem formação cultural e ampliarem seus conhecimentos, tendo ou não dinheiro. Porque um museu que cobra muito caro acaba elitizando seus frequentadores. E eles acharam uma maneira inteligente de se manter. Há exposições temporárias, temáticas, para as quais se cobram ingresso caríssimos. Quem pode pagar, paga. Mas quem não pode, tem a opção de ver todo o acervo que está à disposição.
 
CP: O clima em Londres é conhecido por ser bastante chuvoso e frio. Na sua opinião, qual o melhor período para visitar a cidade?
Airton Ortiz: O inverno. Porque é a época em que menos chove e o céu está mais bonito. Fiquei lá nos meses de janeiro, fevereiro e março, porque o propósito deste livro era ser um livro de inverno, visto que minhas outras viagens costumavam ser na primavera ou no outono. E nenhuma cidade no mundo é melhor do que Londres para se fazer um livro de inverno. Mas é muito frio. No verão, chove muito e o céu está quase sempre nublado. E Londres tem o skyline (linha do horizonte) muito bonito, pois é uma metrópole que mistura arquitetura pós-moderna com neoclássica. Então, quando a gente atravessa o rio Tâmisa, pode olhar o perfil da cidade se o céu está aberto.

CP: Qual a temperatura em média na cidade durante o período?
Airton Ortiz: Entre -1° C e 4°C. Certo dia acordei e a previsão era de que iria fazer 10°C e fiquei feliz da vida. Mas foi um dia que choveu o tempo todo e acabou sendo o que menos aproveitei em Londres. Mas fiz um passeio interessante. Como comprei um passe que, por uma taxa fixa mensal, se pode usar metrô e ônibus à vontade, aproveitei para passear naqueles ônibus "double deck". Subi no andar de cima e andei por toda cidade. Saía de um ônibus e entrava em outro, descompromissado.

CP: Nas suas crônicas, se alternam sensações pessoais e informações históricas. Mas o senhor, a certa altura do livro, diz que não gosta de colocar uma série de datas no meio do texto. Como trabalha isso na hora de escrever?
Airton Ortiz: Eu não gosto de texto, no caso, crônica, que tenha muita informação pontual, porque isso deixa a leitura mais lenta e até enfadonha. Eu prefiro um texto mais emocional. Quem quer informação pontual, vai encontrar na Internet. Por exemplo: quero saber quanto custa o litro da gasolina. Isso encontro no google. Por isso, acho que a mídia escrita tem de ser mais emocional. Mas há certas informações que não tem como não colocar em um livro, que são para contextualizar o leitor. Se eu for num pub que funciona há 300 anos, não posso deixar de colocar essa data, porque ela também passa uma emoção. Chegar em um pub de 300 anos é uma coisa maravilhosa! Quando fiz a revisão final do livro, exclui algumas informações pontuais que coloquei na hora de escrever, mas depois achei que o leitor não necessitaria delas, para deixar realmente o texto mais fluido.

CP: E os pubs, te encantaram?
Airton Ortiz: Sim. Muito da alma da cidade está nos pubs. Muitos são pequenos e esteticamente feios, com paredes pintadas de preto. Outros têm o chão coberto de serragem, por causa da umidade. Mas são lugares em que as pessoas vão para encontrar os amigos, beber e conversar, sem ostentação. Como o expediente de trabalho termina às 17h e os pubs fecham às 23h, o público se concentra neste horário, ficando nas calçadas quando o bar está cheio. O pub é a sala de visitas do londrino.

CP: Os pubs fecham às 23h por lei?
Airton Ortiz: Sim, é uma lei municipal. Às 22h45min, um sino bate e avisa que, em 15 minutos, o caixa vai fechar. Então, até às 23h, vendem cerveja. Depois disso, não. Quem ainda está bebendo, pode ficar no local até 23h30min. Depois disso, colocam teu chope em um copo de plástico e é preciso sair. Não tem conversa. Alguns pubs têm licença para vender cerveja até as 2h da madrugada, mas são geralmente ligados a algum teatro. E as boates vão até as 3h. Mas os britânicos têm uma vantagem. Não precisam pegar o carro para voltar para casa, porque têm transporte público de qualidade, com opções de metrô e ônibus. Não é como a lei seca que temos aqui no Brasil e que acho draconiana, porque nos tira a possibilidade de sair para jantar e tomar um copo de vinho, mas não nos dão alternativa de transporte público de qualidade para voltar para casa.

CP: Como foi sua pesquisa histórica sobre a cidade?
Airton Ortiz: Pesquisei muito sobre a história dos ingleses. Eles começaram a se tornar um império quando foram invadidos pelos romanos. Quando os bárbaros atacaram Roma, os romanos recolheram suas forças militares da ilha, mas deixaram uma infra-estrutura da qual as tribos locais se aproveitaram. Também me interessei pelos cavaleiros cruzados, devido ao rei Ricardo Coração de Leão, que povoou minha infância em histórias em que era retratado como herói. E é impressionante que até hoje existe uma igreja, a Temple Church, que era a sede dos templários. Londres foi destruída completamente duas vezes: uma no grande incêndio do século XVII e outra com os ataques aéreos da II Guerra Mundial. E, nesta segunda vez, ao contrário de aproveitar a "terra arrasada" para construir tudo novo, eles fizeram questão de reconstruir prédios históricos exatamente como eram, para não perder sua identidade cultural. Admiro isso.
 
CP: O que o senhor percebeu do antigo "Império Britânico" ainda hoje?
Airton Ortiz: Acho que os britânicos cometeram um equívoco ao sair da União Europeia. Isso se deve ao fato de os ingleses mais velhos ainda ostentarem aquela arrogância do tempo do império. Porque quem votou em maioria pelo Brexit foi a população mais velha. Os mais jovens não queriam sair e se sentiram traídos. O britânico jovem perdeu totalmente aquela arrogância. Pelo contrário. Eles não curtem muito a realeza. É perceptível que está havendo uma transição. Isso se deve também aos estrangeiros que vão morar na Inglaterra. Londres se tornou a grande encruzilhada do mundo. Anteriormente era Nova Iorque. Mas depois do 11 de setembro, o acesso lá ficou difícil.
 
CP: O que mais lhe chamou a atenção em Londres?
Airton Ortiz: Foi justamente esta mescla gigantesca de culturas do mundo inteiro, que se fundiu com a cultura local e criou uma nova cultura, ainda mais poderosa. Isso pode ser visto na gastronomia. A comida britânica tradicional, o tradicional peixe com batatas, divide espaço com a gastronomia de diferentes partes do mundo, resultando em uma cozinha "universal". Esta mestiçagem é um exemplo, porque acaba com preconceitos, nacionalismos exacerbados e fundamentalismos. A multiplicidade cultural é a sua maior riqueza. Temos a imagem de que Londres é uma cidade aristocrata. Mas não é. Isso me surpreendeu. Acho que por isso me apaixonei por Londres. Minha visão é a de que as grandes tendências surgem em Londres, se consolidam em Nova Iorque, ganham a grife francesa e então se espraiam pelo mundo.
 
CP: E o seu próximo livro, será sobre qual cidade?
Airton Ortiz: Roma. Viajo para lá no próximo mês de janeiro e ficarei três meses.
 
Por Adriana Androvandi
 



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