Asfixiar a criminalidade

Asfixiar a criminalidade

O delegado da Polícia Federal Sandro Caron de Moraes tomou posse na Secretaria da Segurança Pública em janeiro

Felipe Samuel

publicidade

O delegado da Polícia Federal Sandro Caron de Moraes, 47 anos, tomou posse na Secretaria da Segurança Pública, em 1º de janeiro, no lugar do coronel Vanius Santarosa. Natural de Porto Alegre, ingressou na Polícia Federal em 1999. Mais do que garantir a continuidade dos principais programas do Governo do Estado, como o RS Seguro, ele assume com o desafio de reduzir a criminalidade, com ênfase na repressão ao tráfico de drogas e na “asfixia financeira” dos grupos criminosos. Formado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Caron tem pós-graduação em Gestão de Políticas de Segurança Pública. De setembro de 2020 até o final de dezembro de 2022, esteve à frente da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS). Seguem alguns trechos da entrevista.

O confronto entre facções criminosas já foi apontado como uma das razões para o aumento da criminalidade no Estado. O que o senhor pretende fazer para combater especificamente as ações das facções?

A gente sabe que o trabalho que se faz de combate ao crime organizado aqui tem vários resultados positivos. A queda dos homicídios apresentada nos últimos 4 anos já é reflexo desse combate aos grupos criminosos, mas a experiência que tive no Ceará e em outros estados por onde eu passei, permite trazer algumas inovações. Uma delas é dar enfoque não nos crimes que vêm acessórios aos grupos criminosos, mas mais na estrutura do grupo. Esses grupos praticam homicídios, tráfico de drogas, vamos ter uma atuação firme com o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Pretendemos, com o novo chefe de polícia, avaliar eventual aumento do número de policiais no DHPP. Queremos também enfatizar a questão da repressão ao tráfico de drogas, aos crimes decorrentes da atuação dessa estruturação do crime organizado. Isso vem com a prisão das lideranças. A gente sabe que hoje a maioria das lideranças está presa, mas tem que fazer uma asfixia financeira, descapitalizar os grupos criminosos. Prender as lideranças e retirar o dinheiro com esse trabalho de asfixia financeira. Primeiro através de inteligência e depois de investigação, tu consegues localizar o dinheiro, onde estão os bens obtidos com o tráfico de drogas e outros crimes. E aí vamos, com mandados judiciais, fazer a apreensão desses recursos financeiros, bloquear contas bancárias, apreender veículos, sequestrar imóveis. A gente vai tirando o dinheiro do crime organizado, na chamada asfixia financeira. É a forma mais efetiva de enfraquecer um grupo criminoso, porque se ficar prendendo só liderança, tu prendes uma liderança hoje, amanhã aparece outra para tomar o lugar. E muitas vezes, há um reflexo de aumento de homicídio, porque com a prisão do líder se inicia o conflito interno naquele grupo para ver quem vai ser o próximo líder. Temos que trabalhar no enfraquecimento desses grupos, tirando o dinheiro, prendendo lideranças e prendendo o chamado segundo escalão, que são gerentes operacionais.

Em 2022, houve aumento de homicídios e feminicídios. Esse crescimento preocupa? Quais os planos para reduzir esses crimes, principalmente os feminicídios? 

Sempre gosto de fazer esse apelo às pessoas. Infelizmente, muitas vezes, a vítima, por diversos motivos, acaba não fazendo boletim de ocorrência. A gente sabe que para ela vai ser doloroso fazer esse boletim. Para isso a Polícia Civil faz todo um trabalho de preparação dos profissionais, vem preparando salas adequadas, mas é muito importante que essa vítima faça boletim de ocorrência. No ano passado foram 106 feminicídios no RS. E apenas em 20 deles havia boletim de ocorrência e medida protetiva. Nossa maior preocupação é que muitos casos acabam não sendo trazidos ao nosso conhecimento. E por que a importância do boletim de ocorrência? Porque são situações que normalmente ocorrem dentro das residências, não na rua. É importantíssimo que seja feita essa comunicação para que a Polícia Civil tome conhecimento e se possa pedir a medida protetiva para que a gente consiga evitar o pior. Sobre a questão do monitoramento eletrônico do agressor, a nossa previsão é já para este mês se iniciar a utilização aqui no RS. A tecnologia vai nos ajudar a fiscalizar casos em que é concedida medida protetiva, se o agressor está realmente mantendo aquela distância mínima de 500 metros que ele tem que manter da vítima. São 2 mil tornozeleiras para o Estado, com uma possibilidade de ampliação, havendo necessidade. Em um primeiro momento vamos implantar em Porto Alegre e Canoas. E já temos um cronograma para que se estenda para todo Estado.

Outra discussão que também ganhou fôlego nos últimos meses é a questão da implantação de câmeras do fardamento dos policiais. Como o senhor avalia isso? O senhor acredita que a colocação desse equipamento pode evitar possíveis excessos de policiais?

Essa decisão política já foi tomada ano passado aqui no Estado e concordo com ela. Tanto que nós já temos em andamento uma licitação para a contratação inicial de 1 mil câmeras corporais, sendo 900 para Brigada Militar e 100 para a Polícia Civil. A licitação está em andamento junto à Celic do governo do Estado que centraliza as licitações. Em um primeiro momento, é uma segurança ao cidadão, para que se evitem eventuais abusos de parte do profissional, mas também é uma segurança para o policial, porque havendo a alegação de algum tipo de abuso por parte da pessoa abordada, vamos ter imagens que comprovam o que ocorreu e o que não ocorreu. E tem outro elemento muito importante. Havendo uma situação em que o policial realiza prisão em flagrante, por exemplo, por tráfico de drogas, porte ilegal de arma de fogo, as imagens da câmera corporal vão ser usadas como prova no inquérito e no processo criminal. 

O senhor falou de melhorias na segurança pública. Hoje não se tem mais reclamação de policiais atuando, por exemplo, com coletes vencidos. Por outro lado, policiais civis reivindicam aumento salarial. Como lidar com isso? 

Essa questão do policial com colete vencidos não tem mais. Isso é realmente a base do que o policial precisa: viatura de qualidade, armamento, treinamento, colete dentro da validade e outros equipamentos de proteção. Isso o Estado hoje já conseguiu prover. Por isso que falo de investimento, a gente tem que seguir investindo para ir repondo porque, por exemplo, o colete com o tempo vai vencendo. A mesma coisa vale para armamento, munição, viatura. Como já se investiu muito, agora o investimento vai para tecnologia. 
Sobre a questão do questão do aumento salarial, quem é gestor público sabe que essas reivindicações são naturais, são próprias das entidades de classe, do sindicatos e, obviamente, nosso foco é buscar sempre as melhores condições para os profissionais. Tudo isso tem que ser feito em permanente diálogo com o governador, com a Secretaria da Fazenda, com as áreas técnicas, sempre levando em conta a capacidade financeira do Estado. Tenho um bom diálogo com as entidades de classe, vamos buscar sempre o diálogo tendo em conta a capacidade financeira do Estado. 

Qual sua avaliação sobre o flagrante de trabalho análogo à escravidão registrado em Bento Gonçalves e o possível envolvimento de agentes da segurança pública?

O ocorrido, em tese, é crime federal. Então, vem sendo investigado pela Polícia Federal em Caxias do Sul. Quando surgiu a primeira notícia do crime, a Polícia Civil fez contato com a PF e se colocou totalmente à disposição para auxiliar no que fosse preciso. Em relação à notícia que circula sobre possível envolvimento de integrantes da Segurança Pública, a linha é muito clara. O governador, eu, o secretário e o comando da Brigada não compactuamos com nenhum tipo de desvio de conduta. (...) Se confirmada a atuação de integrantes da Brigada Militar nesses fatos lamentáveis de tortura, agressões e ameaças, a resposta vai ser muito firme, muito dura, dentro da lei.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895