Carolina Lisboa: "Aplicativos não resolvem nada, mas estão a nosso serviço"

Carolina Lisboa: "Aplicativos não resolvem nada, mas estão a nosso serviço"

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Carolina Lisboa pesquisa uso de tecnologias nas relações interpessoais Foto: Mauro Schaefer


O uso de aplicativos de paquera para smarthphones tem crescido. A troca de olhares ficou para um segundo momento. Hoje, só se sai de casa para conhecer alguma paquera virtual se valer realmente a pena. A tecnologia, no entanto, deve ser compreendida como um meio — e não como um fim. O sucesso no amor, que agora pode ser mediado, ainda depende dos seres humanos.

O Correio do Povo entrevistou a psicóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Carolina Lisboa, que pesquisa o uso de tecnologias nas relações interpessoais.

Correio do Povo: Por que as pessoas começaram a querer se conhecer pela Internet?
Carolina Lisboa: O que a gente pode dizer é que todos os relacionamentos, principalmente de crianças, adolescentes e jovens adultos que são nativos digitais, já nasceram em um mundo atravessado pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação. Isso vai dar uma cara, um cenário e colorido diferente para esses relacionamentos do que para os que não foram, desde sua origem, permeados por tecnologia.

CP: Qual é a faixa etária que mais procura começar um relacionamento virtual?
Carolina Lisboa: Não vejo circunscrito a uma faixa etária específica. Observo na clínica onde eu atendo que todas as faixas etárias de adultos, desde jovens até os mais de meia idade, estão utilizando esses sites e aplicativos de relacionamento.

CP: Por que as pessoas aderiram a aplicativos?
Carolina Lisboa: Principalmente por duas razões, apesar de haver várias outras. A gente vive em um mundo tecnológico, usa aplicativos para tudo. As pessoas estão com muita familiaridade e habituadas a usar os aplicativos, para pegar táxi, para pedir comida ou procurar roupa. O segundo ponto é que a vida está muito corrida. As demandas sociais e profissionais aumentaram. Não são só estudos da psicologia que mostram isso, mas outros de ordem sociológica e socioeconômica. Há ainda muita violência urbana, e as pessoas saem menos do que há alguns anos.

CP: É possível relacionar aumento da violência ao aumento do uso de aplicativos de relacionamentos?
Carolina Lisboa: Há pesquisas que mostram, por exemplo, que a violência urbana tem feito com que as pessoas fiquem mais em casa, que os adolescentes têm se relacionado muito com os amigos por Internet e por celular, muito mais do que encontrado pessoalmente os amigos, como faziam, digamos, há umas três décadas. Mas não existem pesquisas que digam que a violência tem relação direta com o uso maior de aplicativos para relacionamento. Esse pensamento cartesiano, essa linearidade, é muito difícil de a gente atingir na psicologia. É uma inferência, mas acho que faz bastante sentido.

CP: Por que houve incremento na busca por conhecer pessoas virtualmente?
Carolina Lisboa: O ser humano é um ser social por natureza. A gente tem, entre as nossas necessidades, de alimentação, higiene, saúde, a necessidade de se sentir amado e de amar. Quando começou a Internet, as pessoas ainda tinham muito receio, medo. Era algo ainda muito novo. Não era tão frequente ou normatizado encontrar uma pessoa virtualmente e começar um relacionamento. Acho que isso vem aumentando porque as tecnologias foram fazendo parte da vida das pessoas.

CP: Os relacionamentos iniciados no contexto virtual conseguem se efetivar e ganhar uma estabilidade?
Carolina Lisboa: Há pessoas que buscam esses aplicativos pensando que os outros que estão ali querem apenas um relacionamento rápido, imediato e temporário. Em uma pesquisa que realizei com jovens da Geração Y foi identificado que eles, infelizmente, estão muito imediatistas. E eu digo infelizmente porque o imediatismo é inversamente relacionado à satisfação conjugal, à satisfação necessária para um relacionamento poder ganhar estabilidade e outras características de parceria e cumplicidade que são importantes para que dure bastante tempo. De maneira geral, principalmente adolescentes e jovens adultos, estão imediatistas e com muita dificuldade de tolerar frustração. Eu brinco às vezes com os meus pacientes que a coisa se torna meio fastfood, fica tudo muito rápido. Mas não tem a ver com o aplicativo em si, mas com uma expectativa que as pessoas estão desenvolvendo em torno dos relacionamentos e que me preocupa muito.

CP: E qual seria a maneira de lidar com essa possibilidade de frustração?
Carolina Lisboa: Basta estar vivo para se frustrar. As pessoas têm que aprender a lidar melhor com as frustrações. Uma boa receita, entre aspas, porque não existe receita perfeita, é a gente entender que o fato de um relacionamento não dar certo não significa que as pessoas não foram boas o suficiente. Na hora de se relacionar, se fica demasiadamente preocupado com o outro, com o impacto no outro e se esquece de ouvir o próprio coração e de entender o que estão sentindo. As tecnologias, que nos disponibilizam um monte de fotografias que às vezes não refletem a realidade e falas pensadas antes de serem digitadas, propiciam também falta de naturalidade que não vai sustentar nenhum tipo de relação. Uma relação em que eu fique excessivamente preocupada com meu impacto no outro em detrimento do que estou sentindo, do que quero para mim, faz perder naturalidade, faz as relações darem errado. Não tem como não se frustrar em nenhum momento. Não tem problema ficar triste, mas não tem que sair correndo usando uma tecnologia para se distrair e fugir da tristeza. Cada frustração faz a gente repensar e ficar um pouquinho melhor. E isso não é discurso moralista. É comprovado por pesquisas.

CP: Está mais fácil se relacionar e se frustrar?

Carolina Lisboa: Não. Sempre foi fácil se frustrar. E não acho que tenha ficado mais fácil de se relacionar. Acho que está bem mais difícil. A gente tem hoje uma pluralidade de cenários, felizmente. Tem menos preconceito, divórcio legalizado, homossexuais que conseguem fazer suas opções amorosas. Tem uma pluralidade que é muito legal, mas as coisas ficaram bem mais complexas. Não quero dizer que antes as pessoas, talvez, não fossem mais infelizes ou menos satisfeitas conjugalmente do que hoje. As pessoas estão com muito medo de amar. Parece uma frase de livro de esquina, mas é isso mesmo. Não dá para ter medo de amar, assim a gente não vive nada por inteiro, vive pela metade e isso não é saudável. Não há garantia nenhuma, mas, se a gente se frustrar, a gente vai sair melhor daquilo. Não quer dizer que não vai doer, vai. Aquela coisa de tentar esquecer um relacionamento com outro é um comportamento de fugir da sua tristeza e fugir de si mesmo, não é eficaz.

CP: Qual a dica para quem quer procurar um relacionamento por aplicativo?
Carolina Lisboa: A gente tem que estar com a cabeça muito aberta nesse contexto de pluralidade de opções de relacionamento. A gente não pode formar um “pré-conceito” em relação aos aplicativos porque às vezes a pessoa que está usando esse aplicativo vai com a ideia de que aquilo ali é tão efêmero, tão fastfood, tão imediatista, que ela não encara com seriedade. E daí a chance de vingar um relacionamento é quase nula. Acho que os aplicativos não resolvem nada, são mais uma tecnologia para a gente usar. Elas estão ao nosso serviço e não a gente a serviço delas.

Por Fernanda Pugliero

 

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