Conscientização salva vidas

Conscientização salva vidas

Por Paulo Tavares

Paulo Tavares

''Quando o cérebro para de funcionar de maneira irreversível, em poucas horas os demais órgãos também irão morrer. Este é um diagnóstico muito seguro. A partir daí, temos pouco tempo para os familiares autorizarem a doação e o processo a ser desencadeado''. Na foto, o Professor Titular de Cirurgia Cardiovascular UFRGS/HCPA Eduardo Saadi.

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O doutor Eduardo Keller Saadi, professor titular de cirurgia cardiovascular da Ufrgs, considera um avanço a cirurgia de transplante feita nos EUA, na qual um homem recebeu um coração de porco modificado geneticamente. Chefe de uma equipe de transplante do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), o cirurgião ressalta, porém, ser necessário esperar mais algumas semanas para avaliar se vai haver rejeição ou não e em que grau. Saadi considera que a conscientização da população sobre a doação de órgãos e a segurança de todo o processo é fundamental. Segundo ele, quando as pessoas compreendem os procedimentos, mais órgãos são doados e mais vidas são salvas.

Como o senhor vê a recente cirurgia feita nos EUA em que um paciente recebeu o coração de um porco modificado geneticamente?

Vejo como um avanço. Mas ainda é cedo para afirmar se realmente este procedimento veio para ficar. Diante da escassez de órgãos para transplantes e da grande fila de espera, a utilização de coração de animais no ser humano (xenotransplante) foi considerada e utilizada no passado. Não deu certo porque o sistema imunológico do receptor ataca de maneira violenta o órgão do animal, no que chamamos de rejeição hiperaguda, destruindo o órgão em poucos dias ou semanas. Desta vez, o porco que doou o coração sofreu dez modificações genéticas, com o objetivo de tentar evitar ou reduzir a possibilidade de rejeição hiperaguda. Até o momento está funcionando, mas precisamos esperar mais algumas semanas ainda para avaliar se vai haver ou não rejeição e em que grau.

A prática pode se transformar em algo corriqueiro?

Se as modificações genéticas realizadas no porco se mostrarem eficazes a médio e longo prazos, essa seria uma solução muito boa, eliminando muitas das restrições relacionadas à doação de órgãos e tecidos.

O cirurgião Bartley Griffith, que realizou o transplante, disse que se não usasse o coração de porco, o paciente morreria. Isso, não abre precedente para este tipo de procedimento, deixando de lado a doação de coração humanos?

Não, o paciente que recebeu o coração estava em estágio terminal de insuficiência cardíaca, já havia sido submetido à cirurgia cardíaca prévia e estava com suporte circulatório para manter sua vida. Nesta situação, em que não existe outra alternativa de tratamento, o transplante cardíaco é a única alternativa. Neste caso específico, como o procedimento de xenotransplante ainda é experimental, foi solicitado como exceção, que chamamos de compassivo. O paciente é informado do caráter experimental da cirurgia e tem que haver liberação específica do órgão regulamentador, que nos EUA é o FDA (Food and Drug Administration), que regula o uso de medicamentos e procedimentos. Neste caso, o FDA liberou o procedimento em caráter excepcional e o paciente assinou um termo de consentimento.

Aqui, no Brasil, este expediente seria uma solução para as pessoas que estão na fila de espera?

Uma vez comprovado que realmente funciona, a mais logo prazo e liberado pela Anvisa, sim, poderia se tornar uma alternativa.

O que fazer para conscientizar a população da importância da doação de órgãos, mais especificamente o coração?

Primeiro esclarecer bem o conceito de morte cerebral. Quando o cérebro para de funcionar de maneira irreversível, em poucas horas os demais órgãos também irão morrer. Este é um diagnóstico muito seguro. A partir daí, temos pouco tempo para os familiares autorizarem a doação e o processo ser desencadeado. Com este gesto de amor em um momento difícil, várias vidas podem ser salvas, pois outros órgãos também podem ser doados além do coração.

O que deve ser levado em conta para um transplante de coração? É um procedimento que hoje parece ser bem comum, não?

Do ponto de vista técnico, é uma cirurgia cardíaca como várias outras que realizamos diariamente. A principal diferença é que não podemos agendar a cirurgia, pois dependemos de um doador com coração compatível e muitas vezes o paciente com insuficiência cardíaca terminal acaba não resistindo a esta espera. Há necessidade de se ter um centro multidisciplinar e multiprofissional treinado, pois, além da parte técnica, este paciente vai precisar receber drogas imunossupressoras e ser acompanhado por toda a vida. Inúmeras pessoas trabalham em um grande time, em que os processos começam desde a inclusão dos pacientes em lista de espera, notificação de um potencial doador, avaliação e captação do órgão, técnica cirúrgica apurada por uma equipe experiente, cuidados intensivos pós-operatórios, até o controle de drogas imunossupressoras e avaliação de rejeição por toda a vida.

Como é a situação no RS em termos de doação de coração?

Como em praticamente todos os lugares do mundo, há uma lista de espera e há escassez na doação de órgãos. Interessante frisar que sempre que se fala no assunto, esclarecendo alguns pontos e ressaltando que várias vidas podem ser salvas com um gesto de amor, aumentam muito as doações de órgãos.

A doação pode ser feita quanto tempo depois da morte?

Poucas horas após a detecção da morte cerebral. Se passar muito tempo, o coração pode sofrer danos irreversíveis e ser inadequado para o transplante.

Pessoas que morrem em acidentes de trânsito podem ter o coração retirado e doado?

Sim. Qualquer pessoa que sofreu acidente, trauma ou outra condição que leve à morte cerebral pode ser candidata à doação. É importante a pessoa manifestar em vida este desejo, mas sempre quem vai decidir, no final, se vai haver doação, são os familiares, após o diagnóstico definitivo de morte cerebral.

Aqui no Estado já foi feito algum procedimento semelhante, usando o coração de algum animal?

Não.


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