Crime, violência e suas possíveis soluções

Crime, violência e suas possíveis soluções

Correio do Povo entrevista o doutor em Sociologia e professor universitário, Marcos Rolim

Angélica Silveira

Correio do Povo entrevista Marcos Rolim

publicidade

Marcos Rolim é doutor em Sociologia e professor universitário. Ele também é membro fundador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Rolim concluiu seus cursos de mestrado e doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde também realizou seu pós-doutoramento. Ele é especialista em Segurança Pública pela Universidade de Oxford, na Inglaterra. Rolim também é jornalista graduado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Ele é professor do curso de mestrado em Direitos Humanos da UniRitter, membro fundador do Instituto Cidade Segura, integrante do conselho administrativo da ONG Artigo 19 e ainda membro da Assembléia Brasil da Anistia Internacional. Rolim é autor de livros, entre os quais estão “A Síndrome da Rainha Vermelha, policiamento e segurança pública no século XXI”, publicado pela editora Zahar, o “Bukying o pesadelo da Escola”, publicado pela Dom Quixote e “A Formação de Jovens Violentos: estudo sobre a etiologia da violência extrema”, publicado pela Appris.

Em uma fala sua, durante o Connex, o senhor se mostrou contrário ao fim das saídas temporárias dos presos. Por quê?

Porque as saídas temporárias beneficiam apenas os presos do regime semiaberto, ou seja, aqueles que já trabalham ou estudam fora da prisão e que se recolhem à noite no estabelecimento. O benefício permite que, em algumas datas, como o Natal, os presos desse regime passem alguns dias com suas famílias. Quando o Congresso acaba com esse benefício, vende a ideia de que está reduzindo o risco de fugas, sem que as pessoas saibam que o próprio regime semiaberto já envolve a presença do preso no convívio social e é baseado na confiança. O pior, entretanto, é que o projeto aprovado reintroduz a necessidade dos laudos técnicos para a progressão de regime, o que irá fazer com que o tempo de encarceramento em regime fechado aumente para todos os presos, porque não há técnicos suficientes para elaborar os laudos e a superlotação impede que os presos sejam classificados e suas penas individualizadas.

Devido à subnotificação de crimes, como chegar aos verdadeiros índices de criminalidade?

A maioria das vítimas não registra ocorrências criminais, o que ocorre por muitos motivos, sendo que, quanto menor for a confiança da população nas polícias, maiores serão as taxas de subnotificação. Por essa razão, registros policiais não devem ser usados para diagnóstico e para acompanhamento das tendências criminais, porque eles refletem apenas parte do problema. Por isso, muitos países lançam mão de pesquisas de vitimização, um recurso que permite estimar com muito mais precisão o que, de fato, está ocorrendo.

Como prevenir para que a violência ocorra?

Há muitas formas de violência e seria preciso tratar cada uma delas para definir medidas correspondentes de prevenção. Toda supressão arbitrária de direito é violência, embora situações como a fome, por exemplo, não costumam ser classificadas como violentas. Se estamos pensando na violência física letal, por exemplo, é preciso saber o perfil dos autores e das vítimas, as circunstâncias, os locais e os horários onde os fatos se concentram para que seja possível, por exemplo, realizar o policiamento de “pontos quentes” (hot spots), uma das estratégias mais exitosas de policiamento preventivo no mundo. Se lidamos com homicídios correlacionados ao abuso de álcool, podemos estabelecer regras mais restritivas para o consumo de bebidas alcoólicas, como foi o caso da experiência preventiva de Diadema (SP); se lidamos com homicídios provocados por disputas entre gangues juvenis, as estratégias serão outras. Aqui, como em todos os demais problemas de segurança, não há remédios genéricos e quem imaginar que há uma solução simples é porque não sabe sobre o que está falando.

Para o senhor como alguém que caiu no mundo do crime pode verdadeiramente se recuperar?

50 anos de pesquisas criminológicas em todo o mundo demonstraram que sim, sem qualquer dúvida. As evidências disponíveis comprovam que a grande maioria das pessoas que se envolveram com o crime desistem desse caminho diante de determinadas situações ou oportunidades como maior escolarização, emprego formal, casamento, conversão religiosa, etc. Então, não se trata de opinião, mas de uma dinâmica conhecida como desistência do crime que é muito conhecida em todo o mundo.

O que seria uma repressão mais qualificada?

Chamamos de repressão qualificada aquela que atua com foco e a partir de um planejamento a respeito dos objetivos a serem alcançados. Se a polícia, após cuidadoso trabalho de inteligência, efetuar a prisão de um matador, isso irá impedir que muitos homicídios ocorram e protegerá também a vida dos policiais que hoje são expostos a riscos desnecessários por conta de um discurso a favor do “confronto”. Se a polícia passa o tempo todo prendendo jovens pobres que sobrevivem no varejo do tráfico, essas prisões não causam qualquer prejuízo ao modelo de negócio, porque essa mão de obra é rapidamente substituída. Tais prisões, entretanto, terminam por recrutar jovens para as facções criminais que atuam nas prisões. O encarceramento em massa produzido pela política de “Guerra contra as drogas”, aliás, só favorece o poder das facções e amplia os termos do problema que se pretendia enfrentar. As apreensões de drogas ilegais, por seu turno, estão muito provavelmente, produzindo migração para roubos – forma de resgatar os compromissos com os fornecedores.

Falando em prevenção, qual a sua opinião sobre o Proerd da Brigada Militar?

O Proerd possui a melhor das intenções e mobiliza policiais que se dedicam à prevenção voluntariamente. O problema do Proerd é que todas as pesquisas já realizadas no Brasil a respeito dos seus efeitos mostram que ele não funciona. Ou seja, não se verifica redução de violência ou de consumo de drogas entre os estudantes que participam do Proerd quando comparados aos grupos de controle. Então, trata-se de um exemplo impressionante de um programa que existe há mais de 25 anos em todo o Brasil e que não se sustenta com base em evidências. Mais uma vez, não se trata de opinião, mas de fato.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895