Empresas entre erros e acertos

Empresas entre erros e acertos

Por Felipe Samuel

Felipe Samuel

publicidade

Com a experiência de 40 anos em administração de empresas, o economista Rogério Cauduro diz que o planejamento é o ponto de partida para o sucesso de um negócio. Pós-graduado em Estratégias, Esportes e Finanças, com MBA em Controladoria e Finanças, ressalta a importância dos cuidados com o ambiente interno e externo de um negócio. Autor do livro “A Teia Motriz da sua Empresa” e diretor de uma empresa de material esportivo, ele viaja até duas vezes por ano à Ásia para verificar se a produção atende a quesitos legais. “Vou conferir se não há mão de obra escrava ou infantil”. Em entrevista ao Correio do Povo, aponta os erros cometidos pelas empresas e dá dicas para evitar fracassos.

O senhor tem uma longa estrada no meio empresarial, de 40 anos. Quais são os principais erros cometidos pelas empresas?

Primeiro, não entender o mercado em que está inserido, não entender os próprios recursos. Porque muitas vezes tu tens um bom recurso, um produto maravilhoso, mas não conhece o mercado, não conhece os concorrentes, os fornecedores, com certeza aí é a primeira grande falha. Outra questão fundamental é o planejamento. A gente vê que grande parte dos empresários hoje lamentavelmente não se planeja. São muito mais reativos do que ativos. Dados do Sebrae mostram que, de cada 100 empresas, 65 morrem até os 5 anos de vida. Vale dizer que isso melhorou bastante, porque já foi bem pior. Entendo que os empresários precisariam se preocupar em planejar, conhecer seu negócio e fazer uma análise da parte interna e do ambiente externo. 

Planejamento é fundamental para iniciar um negócio? A gente observa muitos que quebram por falta de planejamento.

Conhecimento e planejamento são o ponto de partida para montar um plano tático, um plano operacional. Por exemplo, se tens um mercado muito hostil, muito aguerrido, tua estratégia tem que ser uma. Se estás no mercado de uma nova tecnologia, algo que tu inventaste, vais acelerar. Costumo brincar e dizer que velocidade é bom, ter grande velocidade é bom, mas depende da direção. Porque se estou indo na direção correta é bom acelerar, mas se estou indo na direção errada, é bom frear, corrigir a rota e ir em frente. Então, o planejamento é o ponto de partida, entender como é que funciona, se planejar, criar as estratégias e partir para plano tático.

O senhor fala sobre variáveis essenciais. O que seriam essas variáveis?

A ideia é primeiro entender o ambiente externo e interno da empresa. Entendendo isso, no ambiente externo vou ter oportunidades e ameaças, ou seja, o que o mercado está me acenando que vai acontecer. No ambiente interno preciso ver minhas forças e fraquezas, o que tenho de melhor que os outros e o que os outros têm de melhor que preciso corrigir. No livro “A Teia Motriz da Sua Empresa”, falo de seis variáveis que estão no ambiente externo e no ambiente interno. No ambiente interno são os recursos que tenho, as pessoas que vão tocar o negócio, a matéria-prima que vou utilizar, o capital que tenho. Olho pelo lado interno também a organização da empresa, os processos que utiliza, que tipo de tecnologia usa. Então, aqui posso agir, mas preciso olhar para o ambiente externo e ver, por exemplo, que fornecedores existem nesse mercado. Ao fazer essas análises, ainda tenho que ver as tecnologias mais recentes. Com essas quatro variáveis, vou ter um mercado para analisar. Que forma de ação devo ter. Por fim, e não é menos importante, pelo contrário, todas elas são importantes, fazer uma análise sobre que tipo de cliente e de consumidores. Isso vale para uma empresa de muitos anos ou para um planejamento que estou fazendo para outro negócio, nova empresa. O nome do livro se chama “A Teia Motriz da sua Empresa”, mas estamos falando de negócios que podem ser de uma pessoa. Vale igual. Ou seja, tenho que analisar esses seis pontos, entender o ambiente e agir de forma corretiva. Esse é foco essencial do livro. 

Dá para dizer que passa por aí também os principais atributos de uma empresa de sucesso?

Nesses seis pontos, estou, de uma forma obviamente resumida, porque é um livro, finito, limitado, mas estou reunindo as informações que se precisa. Isso vale para Google, Amazon, para as principais empresas do mundo, como vale para a carrocinha de cachorro-quente da esquina, porque essas seis variáveis fazem parte de qualquer negócio. O livro se divide em dois momentos, um que é um método mesmo, que sugiro e que denomino de mapa da companhia vencedora. Esse é um mapa no qual coloco essas seis variáveis, que vão se abrindo em subgrupos. A segunda parte são 84 artigos que escrevi de vivências que tive em relação com as seis variáveis. Por exemplo, na variável gestão de pessoas conto passagens e muitas dicas, centenas de dicas que dou dessas experiências que tenho tanto em sala de aula como na prática sendo gestor de negócios dos mais variados, especialmente o caso da Poker, que é minha teia motriz.

Nos últimos anos ganhou destaque a questão da responsabilidade ambiental, social e de governança, conhecido como ESG. As empresas estão conseguindo colocar isso em prática? 

Estamos em um momento de transição. Como consumidores, estamos fazendo isso acontecer. Isso é muito legal. A gente está preocupado, por exemplo, em saber de onde vem a matéria-prima. Será que tem criança atrás dessa mão de obra? A gente está vivenciando agora o que está acontecendo lamentavelmente na Serra, mas é a realidade. Isso tem tudo a ver. Obviamente, tem a parte ambiental. Para a gente comprar um sapato, uma calça, qualquer coisa, vai ver que tipo de embalagem tem, quem está por trás, e isso acaba determinando a minha compra. Se há dois produtos, um que vejo que está agredindo a natureza e outro com responsabilidade ambiental, com certeza vou optar por este. Então já é uma mudança.

E tem a importância do cuidado com as redes sociais, que muitas vezes servem como um ‘tribunal’.

Exatamente. E aí a necessidade de agir preventivamente. As empresas estão preocupadas, o gestor tem que estar preocupado com isso. 

A empresa tem que dar conta do início ao fim da cadeia produtiva?

Sim, até porque isso é questão legal. A produção é responsável por ela, terceirizada ou própria. Está no colo de quem está vendendo o produto. Seja serviço, seja um bem, não importa, ela está no colo da empresa e ela tem que responder por aquilo. Estou plenamente de acordo com isso, porque se tu fazes parte da cadeia, precisas responder por aquilo, faz todo sentido.

A pandemia mudou as relações e transformou os negócios. Quais lições podem ser tiradas desse episódio?

A gente tem muitas lições. Na nossa empresa, que é uma empresa de décadas, a gente tinha muito claro isso. Quando parou tudo, a gente tinha certeza de que nada mais seria como antes. Nós, consumidores, mudamos muito nossos hábitos. Às vezes mudaram e a gente nem se percebeu, como no ramo dos esportes. Já vínhamos em um processo de migrar de esporte coletivo, de futebol, basquete, para o esporte individual. Colocar fitas na academia, uma corrida, uma bicicleta, já vínhamos nesse processo. A pandemia fez assim: isso é agora, não tem mais o que esperar, não tem esporte coletivo, tem o esporte individual, tivemos que nos reciclar. Nessa linha de raciocínio, o consumidor não é mais o mesmo. Se o consumidor não é mais o mesmo, a produção é outra. Vale isso para o fast food, e-commerce. Antes havia muitas pessoas que tinham restrições e hoje elas sabem que podem trabalhar de forma híbrida. Alguns produtos compram na Internet, conhecem, têm confiança, e outros querem voltar a experimentar em um ponto de venda.
A pandemia criou uma linha de transformação tão intensa e tão rápida que muita gente se perdeu. Não quero dizer que foi por erro. O mercado impôs, a situação impôs e não tinha muito o que fazer. Tinha que ter sido hábil para conseguir reverter isso ou, então, no final das contas, mudar de negócio. Isso vale para todos os segmentos, todos os mercados, afetou todos nós.

 


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895