Oportunidades para apenadas

Oportunidades para apenadas

Giullia Piaia

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Isadora Minozzo, 32 anos, assumiu a diretoria da Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba, na Região Metropolitana de Porto Alegre, há cerca de dez meses, em dezembro de 2021. Formada em Psicologia, a diretora, que antes havia trabalhado em presídios masculinos, encara como seu dever proporcionar novas oportunidades para as detentas sob sua custódia.

Como a senhora chegou a esse cargo e o que a fez querer trabalhar com apenados?

Eu entrei na Susepe (Superintendência dos Serviços Penitenciários) em 2017. O meu concurso é de agente penitenciário, embora minha formação seja na área de Psicologia. É um concurso que aceita qualquer curso de nível superior. Confesso que, no início, pensei que talvez fosse uma realidade com a qual não me adaptaria. Mas, aos poucos, fui encontrando propósitos dentro do meu trabalho e a gente percebe que isso vem um pouco com a maturidade, que as mudanças que a gente deseja, na sociedade ou ao nosso redor, na nossa instituição, vão acontecer se a gente se dedicar a contribuir com elas. Então, quando recebi o convite para vir para Guaíba fazer, primeiramente, parte da direção como diretora substituta e, depois, para assumir a direção da penitenciária, meu propósito foi buscar meios de melhorar tanto a minha instituição quanto a vida das pessoas que estão aqui privadas de liberdade. Eu acredito muito que mulheres precisam ajudar mulheres. A gente precisa se unir e a gente precisa fazer mais umas pelas outras. Então, achei que seria hipocrisia da minha parte se me considerasse uma feminista e não aproveitasse essa oportunidade de fazer mais por mulheres que estão em uma situação de vulnerabilidade.

A senhora ainda se vê trocando de área ou é algo que já tomou como missão?

Eu quero me aposentar na Susepe. Em algum momento cheguei a pensar na carreira de técnico superior penitenciário, dentro da Susepe, na área de Psicologia, mas gosto muito do trabalho do agente penitenciário, porque vai além da custódia e da segurança. A gente tem uma área muito ampla de atuação e a possibilidade de assumir um cargo de gestão torna muito rica a nossa carreira. A gente tem a possibilidade de vivenciar as questões na prática. Eu estava lá, como agente, acompanhando de perto a vida dos apenados, o cumprimento da pena e, de repente, a gente vem para a gestão e tem a possibilidade de somar aquele conhecimento da rotina operacional à rotina administrativa e fazer uma política pública que seja realmente efetiva.

Como é o dia a dia aqui na Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba?

A rotina em uma penitenciária feminina é bem diferente da rotina da masculina. As mulheres demandam muito mais atenção do que os homens e isso precisa ser falado. As mulheres têm maiores necessidades de atendimento em saúde, psicológico, social e jurídico, então a rotina dentro da Penitenciária Feminina de Guaíba é bem agitada. A gente tem movimentações para poder garantir as necessidades básicas de todas as apenadas ao longo de todo dia, muita movimentação para audiências, muitas escoltas para atendimentos em saúde e, dentro da penitenciária, também tem um volume muito grande de movimentações para atender todas as necessidades.

Quais são as mudanças que a senhora tem tentado implantar desde que assumiu a diretoria?

São duas frentes principais que consigo pensar em resposta a essa questão. A primeira são processos administrativos. A gente precisa pensar que a gestão de uma casa prisional exige planejamento, então a gente se esforça muito para trabalhar com o processo, estabelecer processos, estabelecer rotinas e garantir que as ações sejam planejadas, para que a gente não fique em uma situação de precisar remediar questões. A gente, então, busca se planejar para fazer de forma mais estruturada e com antecedência. E a segunda frente que eu consigo pensar é a questão do incentivo ao tratamento penal. Isso é algo que trago comigo muito pela minha formação em Psicologia. Então, todas as ações, todas as iniciativas que envolvem tratamento penal têm meu pleno incentivo, como cursos, trabalho prisional e atendimentos em saúde. Principalmente porque a gente percebe que, quando as apenadas estão envolvidas em causas, estão trabalhando, estudando, o comportamento delas melhora. E é um ciclo que vai se perpetuando. Quanto mais estudo, mais trabalho, mais investimento do poder público em ações de tratamento penal, melhor o comportamento e a tratativa com os agentes penitenciários. A gente tem investido bastante em projetos, dentro das possibilidades que nos permitem, para poder proporcionar ações de tratamento penal e fazer com que elas aproveitem essas oportunidades. Isso é algo que acredito muito. A gente tem apenadas que querem recomeçar a vida e outras que não querem recomeçar a vida e faz parte do nosso papel oferecer oportunidades para as que querem.

O que faz com que queiram recomeçar e o que é preciso para que isso aconteça de forma efetiva?

Acho que é muito um despertar individual e da forma como cada uma vê o cárcere. A pessoa pode ser presa e ficar revoltada e pode ser presa e pensar sobre suas ações, querer fazer diferente da próxima vez. Tem uma série de fatores que influenciam. A gente capacita algumas, a gente não consegue fazer para todas. É um dos fatores utilizar o tempo na prisão para aprender algo. Outro fator que considero bem relevante é o apoio da família. Manter o vínculo com a família, alguém esperando por ela fora da penitenciária é fundamental. E aí, por último, são as oportunidades enquanto egressas. Elas saírem da penitenciária e terem oportunidades de trabalho, de renda. Porque a gente sabe que tem muito preconceito. Então sair e querer recomeçar a vida é uma coisa, sair e ter oportunidade é outra.

E o que precisaria acontecer para que essas pessoas tivessem mais oportunidades ao sair?

A violência não se inicia na pessoa presa. Se tu fores perceber o histórico dessas pessoas privadas de liberdade, elas vivenciaram um histórico de violência ao longo de toda a vida delas. Cada vez que a gente faz um círculo, cada vez que a gente faz um curso, uma roda de conversa, o choro é recorrente sempre que a gente toca em questões de violência, emocional, física ou de quaisquer dos tipos de violência. Quando começa o assunto, começam também as lágrimas, porque essas mulheres vivenciaram a violência no seu dia a dia. É por isso que estão aqui. Justifica? Não, não justifica. Essas pessoas tiveram históricos diferentes, mas a violência é recorrente também para quem comete o crime, porque em algum lugar se aprende a agir fora da lei, o ser humano vai se espelhando naquilo que ele tem como exemplo. Então, embora elas tenham cometido crimes, não necessariamente são crimes com violência. Tráfico de drogas, por exemplo, não implica necessariamente violência. Daqui a pouco, alguém violentamente impôs que elas trabalhassem com o tráfico. E a falta de conhecimento é muito recorrente, a mulher não sabe se defender, não sabe onde procurar ajuda e, às vezes, nem se acha merecedora de ajuda. Ela nem se acha digna de ser tratada com respeito e esse empoderamento, de que todos são dignos de direito, é o que a gente tem que proporcionar aqui dentro.
A Secretaria de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo, em breve, vai inaugurar um escritório social. Um espaço para egressos onde eles vão ter todo o aporte de serviços necessários para retomada da vida em sociedade.


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