Pasi Loman: Um Viking a navegar no mercado editorial do país

Pasi Loman: Um Viking a navegar no mercado editorial do país

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Existem ideias e contextos que precisam de um clique, de uma fagulha, de uma ideia e de alguém disposto a executá-la, alguém com poder de tomar a decisão acertada. Como diria um dos principais autores finlandeses da história, Mika Waltari: “Uma decisão tomada uma vez traz paz para a mente de um homem e alivia sua alma”. A alma do agente literário e tradutor finlandês radicado em São Paulo desde 2006, Pasi Loman, deve estar aliviada e ao mesmo tempo ciente do grande compromisso que ainda tem de ampliar o alcance da literatura nórdica no Brasil e manter esta aproximação por muitas décadas. Aos 41 anos, Pasi descobriu sua missão de levar a literatura dos países nórdicos, especialmente a da Finlândia, seu país natal, para o público leitor brasileiro. Fundou em 2012, com a esposa nipo-brasileira Lilia a agência literária Vikings of Brazil, Vikings BR  e desde então já comprou direitos, traduziu e publicou mais de 300 títulos de autores de países nórdicos, que não eram tão conhecidos no país, como o islandês Einar Már Gudmundsson, o finlandês Ali Ollikainen, a dinamarquesa Iben Sandahl e Erlend Loe, das Ilhas Faroe. Historiador por formação, casou com Lilia, após conhecê-la em Londres e veio para o Brasil em 2006. Com Lilia, tem uma filha de oito anos e a agência que possui mais de 50 tradutores contratados (um deles é o gaúcho Luciano Dutra, de islandês, objeto de matéria no CS há algumas semanas.

Pasi foi procurado por Sandra La Porta da organização da Feira do Livro de Porto Alegre em 2014 para fornecer nomes de alguns autores que acabaram vindo à Feira. Neste ano, o evento literário em sua 63ª edição homenageou os Países Nórdicos (Islândia, Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia), trazendo 11 autores, além de ministros e embaixadores, resultado de parceria Feira com as Embaixadas dos Países Nórdicos no Brasil e outras instituições, como o Instituto Ibero-Americano da Finlândia, o Instituto Cultural da Dinamarca, e Pasi Loman, da Vikings BR. Nesta entrevista ao Caderno de Sábado, Pasi fala destas parcerias, da literatura nórdica, de projetos pessoais e sobre o que os brasileiros ainda precisam conhecer da Escandinávia.



Foto: Vikings BR / Divulgação / CP

Caderno de Sábado — Como foi a ideia de fundar a Vikings of Brazil?
Pasi Loman — Moro numa casa de três andares que parece uma biblioteca, pois temos estantes de livros em todos os cômodos, inclusive na sala de jantar. Um dia em 2011 estava tomando café da manhã e os meus olhos encontraram um livro do finlandês Mauri Kunnas, em inglês. A minha esposa deve tê-lo ganhado como presente de aniversário ou algo assim. Fiquei pensando se os livros do Kunnas, um gênio e lenda viva, já haviam sido publicados no Brasil. Fui ao Google e descobri que ele já havia sido traduzido em mais de 30 idiomas, vendido mais de 9 milhões de livros, mas nada no Brasil. Pensei que os 200 milhões brasileiros mereciam ter acesso a estes livros maravilhosos (livros “infantis” que realmente são para a família inteira, de verdade, adultos também os leem sozinhos, que é raro). Fiz mais pesquisa sobre autores finlandeses no Brasil; só achei livros de Mika Waltari e um livro dos Moomins de Tove Jansson. Continuei a pesquisar autores dos outros países nórdicos. Mesma coisa, apenas alguns autores como Stieg Larsson, Jostein Gaarder e Astrid Lindgren tinham chegados ao Brasil. Coisa estranha, pois sabia que muitos autores nórdicos têm grande sucesso internacional, então por que não no Brasil? Primeiro pensei em oferecer os meus serviços apenas como tradutor, trabalhando junto com a minha esposa Lilia Loman, mas logo percebi que, para ganhar mais trabalhos de tradução, eu precisaria começar vender os direitos autorais eu mesmo, pois sem isso ia esperar anos para os próximos trabalhos. No começo, eu nem sabia que existia uma profissão chamada agente literário, não tinha nenhuma experiência, nem contatos no mercado editorial. Por isso até a minha esposa achou, primeiro, que eu era louco em tentar algo assim, mas fiz um plano de negócios que apresentei para Lilia. Ela topou. Entrei em contato com editoras nórdicas e todas elas também toparam me dar um chance de tentar, elas não tinham nada a perder já que não estavam vendendo nada ao Brasil. Graças a isso, eu então ganhei autores fantásticos logo de cara, com milhões de livros vendidos, premiados e com grande sucesso internacional. Já no primeiro ano, vendi os direitos de 50 títulos, a meta era 5, e até agora são por volta de 300 títulos.
CS — Você tem a consciência da transformação que fez no mercado editorial brasileiro em relação às publicações de livros nórdicos?
Pasi Loman — Agora temos constantemente livros nórdicos publicados aqui, em todos os gêneros, em vez de ondas de alguns livros vez em quando. Está difícil saber os números exatos, mas acredito modestamente que dobrei o número de livros nórdicos publicados no Brasil. E o que me também deixa feliz é que ajudei tradutores brasileiros dos idiomas nórdicos a ganhar mais trabalho. Muitos deles tinham tentado, durante anos, oferecer livros a serem publicados pelas editoras brasileiras, sem sucesso.
CS — Quantos títulos já foram adquiridos, traduzidos e publicados desde 2012? Cite os principais autores e títulos que permaneceriam desconhecidos, caso não houvesse a ação da Vikings.
Pasi Loman — Já negociei por volta de 300 títulos. Destes por volta de 100 já foram publicados. Entre os grandes autores nórdicos até então desconhecidos no Brasil gostaria de destacar Arto Paasilinna (publicado em 50 idiomas e só agora no Brasil em 2017!), Dag Solstad, Mauri Kunnas e Henrik Fexeus; ajudei também trazer os Moomins de Tove Jansson de volta ao Brasil, já com cinco títulos publicados pela Autêntica, e dobrei o número de títulos de Astrid Lindgren publicados no Brasil, inclusive o “Rônia a Filha do Bandoleiro”, que foi lançado na 63ª Feira do Livro de Porto Alegre pela Companhia das Letrinhas.
CS — Queria que você falasse desta parceria com a Feira do Livro e sobre os autores participaram em novembro de mesas e autógrafos em Porto Alegre?
Pasi Loman — É uma parceria muito boa que começou há quase quatro anos. A Sandra La Porta entrou em contato comigo, em 2014, e solicitou sugestões de autores de romances policiais e thrillers nórdicos. Naquele ano, então, ajudei a trazer o Nikolaj Frobenius (Noruega) e a Catharina Ingelman-Sundberg (Suécia) à feira. Nos anos seguintes, visitaram o evento, Leena Lehtolainen (Finlândia), Gard Sveen (Noruega) e Maja Lunde (Noruega). E neste ano, é claro, os países nórdicos foram o tema da feira. Foi a minha sugestão, mas muitas pessoas trabalharam para realizar esse projeto. E somos muito felizes e temos muito orgulho dos resultados. Onze autores nórdicos numa feira do livro no Brasil é algo totalmente inédito e maravilhoso. Além deles, quatro embaixadores, um ministro da Educação e vários tradutores nórdicos estiveram na feira. Também estou muito feliz que tivemos a oportunidade de destacar autores de vários gêneros, desde poesia e “alta literatura” até literatura infantil, policiais e não ficção. E conseguimos pelo menos um autor de cada um dos 5 países nórdicos, e até um das Ilhas Faroé (população de 50.000 pessoas). Incrível, mesmo que seja eu a dizê-lo. Antes da feira, dos autores convidados eu conhecia melhor o Aki Ollikainen, cujo livro finalista do Man Booker International, “Ano da Fome” eu traduzi, mas saí da feira encantado com os livros do Erlend Loe; são simplesmente fantásticos, engraçados, mas ao mesmo tempo provocadores e muito originais. Os livros do Loe são já publicados em 40 idiomas, mas até eu precisei ir à Feira do Livro de Porto Alegre para conhecê-los!
CS — Quais são os teus futuros projetos e livros que estão no prelo?
Pasi Loman — Um dos nossos maiores lançamentos no ano que vem deve ser a série “Intrigo”, do Håkan Nesser (Verus), pois haverá três filmes de Hollywood baseados nestes livros, com atores como Ben Kingsley e também o diretor da série Millennium, Daniel Alfredson. Estou no momento traduzindo um livro infantil chamado “Babá Monstro” para a editora Darkside. E recentemente diversifiquei minhas atividades para representar uma empresa de gamificação da Finlândia, Seppo, que foi usada também para gamificar a feira do livro de Porto Alegre. Espero que meu foco continue ser a literatura, mas há também boas oportunidades na área de EdTech, que inclusive podem oferecer novas ideias para editoras e o mercado editorial.
CS — O que os brasileiros ainda precisam conhecer sobre os países nórdicos para desmistificar um pouco aquela coisa de gelo, nordic noir,sagas, educação e saúde de qualidade?
Pasi Loman — O livro “Ano da Fome”, de Aki Ollikainen, lançado na feira pela Numa Editora, é um bom exemplo para mostrar que os países nórdicos não foram sempre ricos — minha própria mãe cresceu numa casa sem toalete, por exemplo, e agora o seu filho tem doutorado de uma boa universidade inglesa e liderou o projeto dos países nórdicos na Feira do Livro de PoA... Mas é bom saber que os países nórdicos não são ricos agora por acaso. De certa forma, a Noruega simplesmente teve sorte com petróleo, como o Erlend Loe disse na sua mesa na feira, mas o que realmente transformou os países nórdicos, a Finlândia em particular, foi uma decisão simples: foco na educação. Nisso, é claro, a literatura e a leitura têm um papel principal. Os resultados não são imediatos, mas no fim o país inteiro ganha com isso. Outra coisa fundamental é a igualdade de sexos; não somos perfeitos nisso, mas certamente os melhores do mundo. Ao mesmo tempo é bom lembrar que nem os países nórdicos são paraísos. Temos problemas também, inclusive com álcool, alto índice de suicídios e recentemente com aumento de intolerância e racismo.
CS — Fale-nos um pouco de como começou a tua relação com o Brasil.
Pasi Loman — Mudei-me para a Inglaterra para estudar. Minha vizinha, literalmente, era uma brasileira. Casamos e, depois de terminar os nossos doutorados, decidimos mudar da Inglaterra. Pensamos que seria mais fácil para um finlandês se acostumar ao Brasil do que uma brasileira se acostumar à Finlândia. Então, em 2006, a Lilia me trouxe ao Brasil, com a promessa de construir uma sauna — importante na cultura finlandesa — na sua casa em São Paulo, para mim. Aqui estamos ainda já faz onze anos. A versão longa da história contem o fato que tudo isso é culpa do xixi de um gato... Quando eu estava procurando um quarto para alugar em Nottingham, visitei uma casa legal, mas tinha um cheiro terrível de xixi de gato na casa. O dono prometeu limpar tudo, mas não acreditei que fosse possível tirar o cheiro. Mudei-me para a casa ao lado dessa casa. Alguns dias depois, a Lilia, minha futura esposa, visitou a casa com cheiro de xixi, acreditou no dono e se tornou minha vizinha. Se eu tivesse acreditado, nós nunca teríamos nos encontrado e pouco provavelmente os países nórdicos seriam o tema da Feira do Livro de Porto Alegre em 2017.
CS — Uma palavra final sobre livro e leitura e tua missão neste contexto.
Pasi Loman — Gostaria de terminar com duas citações: 1) uma propaganda antiga de uma livraria finlandesa disse: “Leitura sempre vale a pena”, e 2) Albert Einstein famosamente disse: “Se quiser que os seus filhos sejam brilhantes, leia contos de fadas para eles. Se quiser que sejam ainda mais brilhantes, leia ainda mais contos de fadas”. Acredito fortemente nisso, leio muito para minha filha, ajudo trazer bons livros infantis — e outros gêneros - dos países nórdicos ao Brasil e fico na torcida que mais e mais famílias brasileiras os achem, comprem e leiam para os seus filhos. A única maneira sustentável de fazer o país crescer é melhorar a educação, que necessita uma nação de leitores.

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