Paulo Rogério Grillo: “Problema maior, que impacta e preocupa as autoridades, é Porto Alegre”

Paulo Rogério Grillo: “Problema maior, que impacta e preocupa as autoridades, é Porto Alegre”

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Paulo Grillo, delegado do Departamento Estadual de homicídios Foto: Alina Souza


Conforme o diretor do Departamento Estadual de Homicídios, Paulo Rogério Grillo, o maior número de homicídios está concentrado nas grandes cidades por conta da centralização dos presídios e das organizações criminosas. Segundo ele, o crime ocorre por conta da disputa entre as facções, que existem na Capital e se espalham para a Região Metropolitana.

Correio do Povo: O que representa quase 20 mil homicídios em uma década no Estado?
Paulo Rogério Grillo: São números crescentes de homicídios no Estado, mas especialmente na Capital, que percebemos como os mais impactantes no total do RS. Na estatística do ano passado, se tirar Porto Alegre do cálculo, o índice teria diminuído de 2015 para 2016. O que percebemos é que o problema maior, que impacta e preocupa as autoridades, é a Capital. Porto Alegre tem registrado índices elevados, mesmo que o trabalho venha sendo exaustivo, minucioso, em todos os aspectos, em número de inquéritos remetidos com elucidação, número de prisões, e o atendimento aos locais de crime. Nós temos feito tudo que é possível, mas o nosso trabalho vai além da investigação do crime.

CP: Podes explicar a diferenciação dos homicídios neste panorama da criminalidade?
Paulo Rogério Grillo: Às vezes as pessoas confundem os assassinatos. No crime de latrocínio, que também acaba havendo a morte de uma pessoa, o objetivo do autor é o patrimônio. Acontece muito em roubo de carro que a vítima acaba morrendo. No homicídio doloso, o autor tem a intenção de puxar o gatilho ou desferir um golpe para tirar a vida da outra pessoa. Quando o homicídio acontece? Começamos a trabalhar em estatísticas, em investigações anteriores. Hoje o número de homicídios passionais é muito pequeno. Para efeito de estatística, são insignificantes.

CP: Por que os homicídios estão concentrados nas grandes cidades?
Paulo Rogério Grillo: Porque é onde estão os principais presídios e as organizações criminosas. A questão do tráfico está consolidada nas grandes cidades. Em Porto Alegre isso está muito pulverizado. Em quase todas as regiões da cidade há representatividade desses indivíduos. Além disso, eles também se movimentam. Um se une com o outro contra um terceiro. Então muitas mortes têm ocorrido em decorrência disso. O homicídio no Interior é mais fácil de resolver. São brigas de vizinhos, de bar ou de casais. Na Capital, as testemunhas não falam, impera a lei do silêncio, porque todo mundo tem medo. Há uma dificuldade na formação da prova testemunhal. Então buscamos outros recursos, como câmeras de segurança. As perícias também têm evoluído e ajudado a desvendar casos importantes. Contamos muito com o elemento pericial.

CP: Entre as 15 cidades onde mais ocorreram homicídios, 10 são na Região Metropolitana de Porto Alegre. O que explicaria isto?
Paulo Rogério Grillo: É a mesma razão da Capital: as organizações criminosas. Elas se estendem para as vizinhanças, como Cachoeirinha, Alvorada, e por aí vai. Com raras exceções, quando se afasta da RM, o alcance é menor. Por isso que nos grandes centros se concentram os homicídios, é onde as organizações atuam. Tem que ver qual é a motivação dos homicídios. A razão passional é rara. No total não chega a 10%. O maior número é em razão das disputas entre as facções.

CP: Algumas das cidades da RM, como Cachoeirinha e Alvorada, reduziram o número de homicídios de 2015 para 2016. O que pode ter ocorrido?
Paulo Rogério Grillo: A primeira conclusão é que Porto Alegre tem sido o alvo principal. A Capital é o grande problema. Tanto que agora o secretário (estadual de Segurança, Cezar Schirmer) trouxe um reforço de 400 PMs. Acho que não está errado. Vai desguarnecer o Interior? Ok, mas o gestor alguma coisa tem que fazer de acordo com os números. O problema maior, hoje, não está no Interior. O problema foi detectado, e é Porto Alegre. Temos que atacar o problema principal com os recursos que temos, que são limitados.

CP: Qual a principal causa do aumento dos homicídios nos últimos três anos no Estado e na Capital?
Paulo Rogério Grillo: O crescimento das facções. Essas organizações se consolidam com o tráfico, e as disputas estabelecidas, exigem que eles adquiram armamento para se defender ou para vingar a morte de alguém, e aí entra um grande problema: como as facções se criaram? O próprio estado, na minha opinião, de certa forma contribuiu para isso. Dentro do sistema prisional se estabeleceu uma organização onde as facções estão divididas por alas. Isso as fortaleceu. Os três principais problemas são: sistema prisional, principalmente, as drogas e as armas.

CP: Qual a motivação dessa quantidade de homicídio?
Paulo Rogério Grillo: Porque um é de uma facção e outro é da outra. Às vezes é por vingança, para demonstrar força, até uma demonstração exagerada para intimidação e aí entram os esquartejamentos e as decapitações, que não acontecia tanto. E está ocorrendo porque uma facção quer demonstrar mais força para a outra. Também tem muita execução de pessoas que denunciam, mas as mortes são todas em decorrência dessas facções que se fortaleceram ao longo dos últimos anos. Isto tem recebido uma atenção especial dos órgãos de inteligência da polícia. Em resumo, foi o crescimento e fortalecimento das organizações a partir das falhas do sistema prisional. O comando para que essas mortes aconteçam na rua, parte, grande parte, do sistema prisional.

CP: Como reduzir os homicídios?
Paulo Rogério Grillo: O índice de elucidação das investigações é superior a 70% e não tivemos diminuição. Tem alguma coisa errada. O Denarc (Departamento Estadual do Narcotráfico) tem apreendido uma quantidade recorde de drogas e prendido traficantes. E a sensação de insegurança e a criminalidade continuam. Qual a razão? A sociedade clama muito para que a polícia vá, prenda, atue. A polícia tem feito isso. É só olhar os números, as operações e principalmente os presídios, que não têm mais vaga. A criminalidade e a sensação de insegurança crescem e a polícia cada vez prende mais. Tem algum componente errado nessa equação. As prisões não estão refletindo na redução dos números. Temos que mudar alguma coisa, especialmente no sistema prisional. Reduzir os homicídios partindo do combate ao tráfico, pelo que a gente tem visto, não é efetivo. Temos que voltar para outros ingredientes. O sistema prisional e a questão das armas. Aumentar o policiamento nas ruas e nas fronteiras, e disciplinar o presídio. Temos que reduzir a facilidade dos caras de se locomover com arma e atacar o rival. Nas fronteiras, tentar estancar a entrada de armamento, tirando as armas das ruas.

CP: Cerca de 60 municípios não registraram nenhum homicídio em 10 anos. Como explicar?
Paulo Rogério Grillo: Tudo do interior, né? As organizações criminosas não entram nessas cidades. E por sorte não ocorreu nenhum crime passional. Não aconteceu, tudo bem, ótimo. A penetração da criminalidade não chega nestes municípios. Vê se em algum desses municípios não ocorreu assalto a banco, etc. Basicamente é: quanto mais distante da Capital, menos alcance das organizações criminosas com seus tentáculos das armas e do tráfico.

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