Pelos direitos de todos os humanos

Pelos direitos de todos os humanos

Por Kyane Sutelo

Kyane Sutelo

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A líder indígena mapuche Elisa Loncón se tornou porta-voz dos direitos humanos no mundo inteiro após presidir a Convenção Constitucional do Chile. A professora universitária esteve em Porto Alegre, palestrando em evento do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, onde falou sobre o que acredita ter motivado a reprovação da nova constituição chilena e a importância, na construção de políticas públicas, dos direitos e lições dos povos originários, mulheres, LGBTQIA+ e outras populações consideradas minorias. No evento, que teve como anfitriã a subprocuradora-geral do Trabalho Edelamare Melo, Elisa propôs reflexões principalmente com foco nas minorias sociais e na experiência constitucional latino-americana. A professora foi uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pelo ranking da revista Times e uma das 100 mulheres mais inspiradoras, segundo a BBC de Londres, em 2021. Atualmente, é professora de linguística na Universidade de La Frontera, professora adjunta de pesquisa e ensino de mapudungun (língua mapuche) na Universidade de Santiago do Chile e também professora adjunta da Faculdade de Letras e pesquisadora do Centro de Estudos Indígenas e Interculturais da Pontifícia Universidade Católica do Chile.

Você acredita que a justiça e os direitos humanos caminham juntos hoje na América Latina?

Não. Falta muita justiça na América Latina e essa falta tem a ver com o fato de que não conseguimos o respeito aos direitos dos povos. Também falta muito em termos de direitos das mulheres. É uma questão que antes não era agregada ao debate sobre direitos humanos. Os direitos humanos só podem ser exercidos se o ser humano tiver acesso a direitos como a água, por exemplo, que é fundamental. Há muitos lugares onde ocorre seca e não tem água. Portanto, não são exercidos os direitos humanos. Sobretudo os direitos que tem a mãe-terra. Precisamos cuidar dela para continuar com nossas vidas. A biodiversidade está sendo destruída no planeta e isso deveria ser uma preocupação dos humanos que têm o debate e a possibilidade de fazer mudanças.

Como você vê o papel do povo na participação das políticas de construção e, principalmente, dos povos originários?

Falta participação, falta reconhecimento dos povos originários. Os direitos dos povos originários fazem parte dos direitos humanos fundamentais, porém, a concepção dos direitos humanos é restrita a uma compreensão do mundo eurocêntrica a partir de uma visão de direitos humanos de cunho ocidental. Não foram incorporados os direitos dos povos indígenas: a um território livre, às nossas línguas, nossas culturas, para decidirmos nosso futuro, que ainda está sendo violado. Então, para que se assumam os povos como iguais em dignidade e em direito, ainda falta muito a garantir da cultura indígena.

Em sua visão de professora, como melhorar a consciência dos jovens e de todos os demais sobre os direitos humanos?

Acredito que a educação dos jovens tem que incorporar os valores, os princípios de vida, a filosofia, as línguas dos povos indígenas, para que possamos dialogar com base no conhecimento. Hoje, muito pouco se sabe sobre nós, nosso conhecimento sempre foi adiado e colonizado. Foi feita uma imagem de nós como bárbaros que não tinham saberes, não tinham filosofia, etc. E essa imagem prejudicou a convivência. Muitas vezes fomos colocados como inimigos dos povos não indígenas. Porém, a luta pelos direitos dos povos indígenas está ligada à luta dos povos de toda a América Latina, podemos compartilhar, podemos conviver. Eu dou aulas na universidade, meus alunos não são todos indígenas, meus colegas não são todos indígenas, mas a gente trabalha a formação lá. Então temos que nos propor o desafio de projetar um mundo comum.

Qual o conceito mais importante que os povos originários trazem para os demais povos?

O mais importante é que temos um mundo vinculado e um mundo vinculante. Precisamos que a sociedade não indígena assuma esse vínculo. Somos interdependentes entre os seres humanos. As mulheres e os homens são interdependentes e isso nem sempre é assumido pelas lutas dos povos não indígenas. Por exemplo, a luta feminista é uma luta que não se articula com a mulher indígena, né? As mulheres indígenas podem estar sendo maltratadas e mulheres não indígenas feministas não reagem. Mas todas as mulheres pertencem à mesma linha, somos todas mulheres, portanto, o que acontece com outra mulher deveria importar a todas nós. Isso é fazer a vinculação entre nós, mas também a ligação com a natureza, porque a todos nós importa a natureza.

E qual é o ensinamento mais importante que o trabalho da Convenção Constitucional do Chile deixa para os países vizinhos?

Nossa proposta de uma nova Constituição foi rejeitada em 4 de setembro de 2022 e foi rejeitada com base em discurso de ódio, fake news e muito bullying. Deturparam o discurso. Porém, essa proposta colocou questões importantes e incontornáveis para a convivência no século XXI em toda a sociedade. E esses temas-chave são, justamente: nossa relação de interdependência com a natureza, a igualdade substantiva entre homens e mulheres e a ampliação do conceito de direitos humanos, não só desde a visão ocidental, mas incorporando os direitos dos povos, incorporando as mulheres, a diversidade de sexo e gênero e os direitos da mãe-terra. Precisamos instalar esse sistema em toda a América Latina, porque temos, no século XXI, que resolver problemas que não foram resolvidos antes.

Você foi apontada como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo no ranking da revista Times em 2021 e uma das 100 mulheres mais inspiradoras pela BBC no mesmo ano. O que você quer inspirar no mundo e em que você quer ser influente?

Sou educadora, sou professora e penso que precisamos de uma educação que nos permita reconhecer a todos como legítimos, uma educação pelo diálogo e que se baseie na incorporação do conhecimento dos povos indígenas, porque esta América Latina é uma América indígena e isso sempre foi negado.

O que você conhece do povos indígenas aqui do sul do Brasil?

Eu sei que aqui há um sistema, que tem deputado indígena, que tem um ministério de povos indígenas e que aqui também existe uma importante luta ancestral dos nossos irmãos indígenas. Uma saudação afetuosa a todos eles.


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