Philippe Seabra: “A Plebe Rude pode servir como um dos contrapontos da música popular brasileira”

Philippe Seabra: “A Plebe Rude pode servir como um dos contrapontos da música popular brasileira”

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Philippe seabra, à direita na imagem, é um dos fundadores da Plebe Rude. Foto: Breno Galtier Photography / Divulgação / CP. Philippe Seabra, à direita na imagem, é um dos fundadores da Plebe Rude. Foto: Breno Galtier Photography / Divulgação / CP.

Num ano que muitos estão lembrando dos 20 anos da morte de Renato Russo, da Legião Urbana, a banda que já existia em Brasília antes dos Legionários, a Plebe Rude, contemporânea do Aborto Elétrico, da qual Renato era fã no início dos anos 1980, comemora 35 anos de carreira. Com os três primeiros álbuns - “O Concreto Já Rachou” (1986), que foi considerado o 57º melhor disco de música brasileira pela Rolling Stone, “Nunca Fomos tão Brasileiro” (1987) e “Plebe Rude” (1988) - o grupo que conseguia conciliar o punk rock com o pop vendeu meio milhão de cópias e foi a primeira de Brasília a receber Disco de Ouro. Após um hiato de cinco anos, entre 1994 e 1999, a Plebe voltou com força, mas já sem tanto destaque na mídia e agregou Clemente Nascimento (guitarra e vocal), da banda punk paulista Inocentes, em 2004. 


Com seis discos lançados, a Plebe Rude, atualmente formada pelos fundadores Philippe Seabra (voz e guitarra) e André X (baixo), além de Clemente e Marcelo Capucci (bateria), resolveu comemorar os 30 anos do lançamento do primeiro disco, “O Concreto Já Rachou”, com um show que está percorrendo o Brasil e chega a Porto Alegre neste sábado, às 20h, no Opinião (José do Patrocínio, 834). Os ingressos podem ser adquiridos pelo siteAlém das músicas do primeiro disco, como as clássicas “Até Quando Esperar”, “Proteção” e “Brasília”, a banda mostra as canções do mais recente disco, “Nação Daltônica”, que mantém a combatividade e as críticas políticas e sociais como “Anos de Luta”, “Rude Resiliência” e “Tudo o que Poderia Ser”. Em entrevista ao Correio do Povo, Philippe Seabra fala desta resiliência, engajamento e integridade que mantiveram a Plebe Rude durante estes 35 anos de existência, da história da banda, do momento atual e da admiração pelo rock gaúcho, que também tem a tendência de não se dobrar ante ao sistema.


Correio do Povo: Muitos dizem que o rock nacional morreu, sufragado pelas invencionices do mercado. Vocês fizeram parte do boom de Brasília e do rock nacional e resistiram. O que levou vocês a passar por cima de tudo isto?
Philippe Seabra:
A gente chama isto de resiliência e não de resistência. Isto está na letra de “Rude Resiliência”, do disco Nação Daltônica”, de 2014. Tivemos um hiato entre 1994 e 1999, ficamos um pouco à margem da mídia. E aí voltamos a aparecer direto nos documentários e filmes: "Rock Brasília", "Somos Tão Jovens", eu fiz a trilha de "Faroeste Caboclo" e ganhei o Prêmio de Cinema Brasileiro pela trilha. Isto é puro design. Não é uma coisa que acontece natural. Não gosto muito do meio musical, das gravadoras, mas nós sempre mantivemos a verve, a atitude, a integridade, o engajamento. Nós sempre acreditamos e éramos aquilo que estavam nas nossas músicas.


CP: E esta ideia de comemorar os 30 anos de "O Concreto Já Rachou" e juntar com as músicas do Nação Daltônica?
Philippe Seabra:
Este disco foi muito forte em todos os sentidos, extremamente simbólico de um período. É importante lembra-lo, revivê-lo. Não é à toa que foi escolhido um dos 100 melhores discos de música brasileira pela Rolling Stone. Como a nossa mensagem continua a mesma, resolvemos tocas as músicas do “Concreto” com as do "Nação Daltônica" que tratam disto, como em “Anos de Luta”, na qual perguntamos para estas pessoas que só querem entretenimento, estes blogueiros de ocasião, onde estiveram naqueles anos de luta, estavam vendo TV e pelo entretenimento e são daltônicos como o resto da nação.


CP: O que agregou à Plebe Rude a entrada do Clemente, um punk paulista, também inconformado com o sistema?
Philippe Seabra:
O Clemente foi a primeira pessoa que conhecemos em São Paulo. Sempre achei o punk paulista um pouco parecido com o rock de Brasília. Estes dois movimentos captaram e conseguiram traduzir em letras e músicas a atitude de protesto necessária àqueles anos 1980. Aliás, assim como a própria São Paulo foi combustível para o Clemente fazer o protesto com os Inocentes, para mim a melhor banda punk de lá, nós tivemos em Brasília a grande diferença para criar as nossas músicas e o movimento. Eu sempre falei para o Renato (Russo), que se não fosse Brasília a gente não teria feito grande coisa. Éramos um bando de moleques inconformados com o marasmo cultural da cidade e aí começamos a produzir a partir do que era a cidade.


CP: O que diferenciava Brasília de outras cidades naquela época?
Philippe Seabra:
Cara, era tudo diferente. Nós tivemos muita sorte porque tínhamos os malotes diplomáticos. Chegavam livros e discos raros muito rapidamente. No nosso caso, nos interessava o punk e o pós-punk inglês. Num destes malotes, recebemos o “London Calling”, do The Clash, muito antes do que as lojas e o pessoal de outras cidades brasileiras. Se nos perguntam qual foram as nossas maiores influências, com certeza foi este convívio com gente do Brasil inteiro e do mundo pelas embaixadas. Todos os integrantes da banda eram filhos de acadêmicos. Isto nos dava muitas ferramentas e preparo. Tínhamos também o componente da repressão e da censura.


CP: Vocês tocaram com bandas do Sul nos anos 1980. Qual a relação que vocês mantém com o Rio Grande do Sul e com músicos gaúchos?
Philippe Seabra: A minha grande parceria no Rio Grande do Sul foi o Fernando Rosa, no selo Senhor F.. Produzimos discos de bandas gaúchas como Superguidis, de Guaíba. Uma coisa que sempre respeitei no rock gaúcho foi a sua independência, a capacidade de ficar no Sul e de não se vender para o sistema, uma coisa que não acontecia com a maioria das bandas punk paulistas e com o rock de bermudas do Rio de Janeiro. Nós chegamos a fazer turnê para o Nordeste com o Engenheiros do Hawaii. Fiquei sabendo que o Engenheiros agora volta de vez em quando com o Humberto Gessinger e músicos convidados. Mas isto foi sempre assim desde o início, só que agora o Humberto assumiu isto. Outra coisa íntegra do RS é que não pegou a volta da praga dos covers, pois Rio, SP e Brasília estão infestados de novo.


CP: Este inconformismo da Plebe Rude ficou claro quando a banda brigou publicamente com a EMI. É esta integridade que mantém a banda até hoje?
Philippe Seabra: Eles não acreditavam na banda, não entendiam a gente. Demos meio milhão de cópias a eles sendo a gente mesmo e eles queriam o sucesso imediato e rápido, um É o Tchan da vida. Tinham o catálogo dos Beatles e não entendiam a postura autoral da Plebe. Acho que conseguimos provar que é possível estar no mercado sendo independente e íntegro. Existe espaço para música inteligente e independente no mercado. Eu tenho um filho de cinco anos e quero deixar um legado que dê orgulho, manter aquilo que a gente lutou e acreditou. A Plebe Rude pode servir como um dos contrapontos da música popular brasileira. Nem toda a música deve ser pop, nem todo o livro deve ser de autoajuda, nem todo o filme deve ser de vampiro e explosões. Dá para se manter íntegro e independente atualmente.


Por Luiz Gonzaga Lopes


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