Reflexos para as eleições de 2024

Reflexos para as eleições de 2024

As midterms, chamadas “eleições de meio de mandato” estadunidenses, definem uma nova composição para o parlamento americano e têm reflexo direto nas próximas eleições presidenciais do Estados Unidos, em 2024

Correio do Povo

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As midterms, chamadas “eleições de meio de mandato” estadunidenses, definem uma nova composição para o parlamento americano e têm reflexo direto nas próximas eleições presidenciais do Estados Unidos, em 2024. Apesar de algumas definições ainda por vir, em função de um segundo turno para o Senado, na Geórgia, os resultados que vieram das urnas trouxeram novidades, inclusive em função do baixo desempenho, diferente do esperado, do partido Republicano no Senado. Fabrício Pontin, professor do departamento de Relações Internacionais e do Programa de Pós-graduação em Educação na Universidade LaSalle, analisa o cenário da política americana atual e os reflexos do pleito para a disputa presidencial de 2024.

Qual foi o saldo das midterms?

O que já dá para dizer é que desde o final da década de 70 e início da década de 80, os Democratas nunca tinham tido uma eleição de meio de mandato tão bem sucedida enquanto estavam no poder. Nem Bill Clinton, nem Obama teve eleições de meio de mandato tão bem sucedidas em termos numéricos quanto essa já se apresenta para o (Joe) Biden.

Quais fatores podem ter contribuído para o bom desempenho, não esperado, dos democratas?

O fator que parece ter sido determinante dessa eleição é o grupo demográfico de jovens entre 22 e 30 anos. Um dos fatores determinantes para o voto desses jovens nos Democratas foi com certeza a decisão da Suprema Corte sobre a questão do aborto. Mas tem um outro fator que a gente precisa prestar atenção também, o Biden entrou com uma proposta de perdão de dívidas estudantis nesse ano e essa proposta foi sem precedentes dentro do contexto norte-americano. Era uma reivindicação de grupos de estudantes que não tinham muita aderência e isso realmente foi uma proposta muito popular. Então, acho que essas duas propostas criaram uma adesão muito grande de jovens que normalmente não participavam do pleito.

Havia uma grande expectativa de que ocorresse uma “onda vermelha”, do partido Republicano, que acabaria conquistando espaço maior, mas não foi o que aconteceu. Como que o partido fica neste cenário? 

Não dá para dizer categoricamente que está mudando o perfil do partido Republicano, porque ele ainda é, como tem sido desde 2016, o partido do (Donald) Trump. Desde 2016, Trump capturou a imaginação do partido Republicano. E isso não parece estar cedendo ainda, mas candidatos querem ganhar eleições. E esse ano parece que apontou nas eleições de meio de mandato um certo esgotamento em alguns estados-chaves da pauta trumpista. Como a eleição americana é decidida com base nos estados, o recado que os eleitores mandaram para o Partido Republicano é muito claro, ele diz: “Olha, com essas pautas mais vinculadas ao Trump, os nossos estados estão mudando de comportamento e não parecem estar aderindo a essa pauta”.

O ex-presidente Donald Trump esteve bem presente nos bastidores dessas eleições e viu alguns nomes que ele amplamente apoiou não serem eleitos. Qual o seu futuro político a partir de agora?

Ouvimos muitos rumores de que o Trump estaria “desolado” e muito irritado com os resultados das eleições. E ele tem razão para estar. Os candidatos que ele apoiou, principalmente candidatos-chaves, perderam a eleição. 

Um dos principais apoiadores da agenda trumpista foi reeleito, com aclamação, na Flórida, o Ron DeSantis. O quanto ele representa uma “ameaça” para o ex-presidente dentro do partido Republicano em 2024?

Ele (DeSantis) é um fato novo porque desde 2016 Trump é hegemônico dentro do partido Republicano. Então, tem uma reestruturação (no partido) do que a gente chama de uma nova extrema-direita norte-americana, com características um pouco distintas, mais populistas, anti-imigração, com um discurso nacionalista branco, coisas que eram periféricas dentro do partido Republicano. O DeSantis está propondo uma outra forma de abordagem, ele tem algumas pautas mais clássicas dentro do partido, voltadas à não intervenção do estado na economia, por exemplo. Mas mantém algumas pautas mais regressivas, como a questão da imigração. Então, ele muda um pouco o discurso e está conseguindo competir \[com o Trump\]. Agora, a primeira pergunta é se ele vai conseguir competir o suficiente para bater nessa popularidade que o Trump tem dentro de setores populacionais que não votam classicamente nos Republicanos. O DeSantis vai ter que ou capturar esse votante ou capturar o votante que abandonou o partido Republicano, porque não gosta do perfil do Trump, que é o votante muito educado, de alta renda, que mora no norte dos Estados Unidos. Então, o DeSantis tem um caminho difícil nessa eleição para conseguir ser o candidato dos Republicanos, ele vai ter que reconfigurar a união de forças para conseguir se eleger.

Quanto à vitória dos democratas no Senado e em alguns estados-chaves, que não era prevista, pode representar novo ânimo para Biden concorrer (à presidência) daqui a dois anos?

A definição de como as eleições andam dentro dos Estados é feita a partir dos distritos e de eleições distritais, esses distritos são divididos por zonas eleitorais. A divisão desses distritos é feita por decisões estaduais e ela é superimpactante para como as eleições são divididas dentro dos estados e, via de regra, os Democratas perdiam muitos votos por causa da divisão dos distritos. Agora, nessa eleição, eles conseguiram ter vitórias importantíssimas em distritos-chaves para eleição de 2024. Isso é um primeiro fator que impacta muito a eleição. Essa vitória reforça também a tendência de confirmação da candidatura do Biden, que seria o candidato natural para ser aclamado pelos democratas só pelas vitórias que ele já conseguiu até aqui. Ele ganhou a eleição com a maior quantidade de votos da história dos Estados Unidos, uma eleição extremamente difícil, conseguiu organizar a política norte-americana para alcançar uma vitória relativa nas eleições de meio de mandato e está conseguindo manter uma política externa norte-americana bastante razoável nos últimos anos, então, naturalmente ele seria o candidato para ser aclamado, mas ele tem 80 anos de idade e existe um medo muito grande com relação às gafes do Biden. Esse tipo de coisa pode ser explorada em uma eleição e talvez leve algum candidato muito ambicioso dentro do partido Democrata a abrir uma primária. Mas acredito que abrir uma primária para contestar a possibilidade do Biden em ser ele o candidato seria extremamente lesivo para o partido. Historicamente, o partido Democrata nunca venceu uma eleição depois de ter aberto uma primária (com um presidente em exercício). A única forma que vejo de realmente ter uma disputa pela reeleição é se o Biden voluntariamente abrir mão da sua candidatura.


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