Relatos de alguns anos de kibutz

Relatos de alguns anos de kibutz

O professor de yoga, bioyoga e dança, relembra os momentos em que viveu em um kibutz, à beira do mar Mediterrâneo, próximo à Faixa de Gaza, uma das regiões mais atingidas pelo conflito entre Israel e o Grupo Terrorista Hamas.

Vitória Fagundes

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"O radicalismo é um grande problema, simplesmente por odiar o próximo por  não ser igual a você. Estamos vivendo o pior momento das nossas vidas. O momento, agora, é reagir e continuar lutando pelo que acreditamos e fazendo as coisas certas, sem pensar em vingança."

Quem é o professor Talema?

O professor Talema é filho de uma professora e de um brigadiano.

De onde surgiu essa paixão pela Educação Física?

Minha mãe me levava muito para a escola, onde ela trabalhava. E eu peguei amor pela escola, lá em Rio Grande. Ela era professora de Educação Física. Eu sempre me identifiquei com a profissão.

Como era sua vida em Israel?

Eu fui parar em um kibutz na década de 1970. Kibutz é uma comunidade agrícola, como se fosse uma cooperativa. É uma cultura mais atrasada que a nossa, lá não teve esse avanço cultural. Porém, minha vivência no país foi mais libertadora, porque no kibutz onde vivia era mais tranquilo. Eu atuava como jardineiro.

Por que decidiu viver em um kibutz?

Na comunidade judaica, isso se chama movimentos juvenis, parecido com um grupo de escoteiros. Só que a grande diferença é que esses movimentos têm uma ligação com os movimentos dos partidos políticos de Israel. Os movimentos estavam ligados ao sionismo. Os judeus sempre desejaram voltar para Israel, porque onde eles estiveram foram expulsos e massacrados. Nós tínhamos que ir para Israel nos kibutz. Formamos grupos e vamos para Israel. Eu morava a 8 quilômetros da Faixa de Gaza. Fui cinco vezes para Israel. A primeira vez foi em 1968, no qual fui fazer um curso de formação de instrutores. Passei um ano. E dois anos depois eu voltei.

Todo judeu tem livre acesso para ir para um kibutz?

Tem que solicitar dupla cidadania. Todo judeu tem o direito de imigrar para Israel, porque a terra é dele original. Eu tinha 21 anos na época, eu fiquei até os 24 anos.

Como era a sua rotina no kibutz?

Eu acordava cedo, trabalhava oito horas. Havia vários setores: a plantação, as vacas, as galinhas. Eu era jardineiro, cuidava de todo jardim do kibutz, em cima de uma colina que parecia um paraíso. Jogávamos futebol na rua, nas folgas e nos intervalos.

Não tinha normas de seguranças, por causa do perigo de um possível ataque?

Sempre houve vigilância. Mas dentro de Israel nunca houve problema. Na época, eu até ia para a Cisjordânia sem problemas nenhum. Mas sempre tínhamos cuidado.

Tem alguma lembrança?

Tive uma vida fora da realidade de Israel. Tinha praia, futebol e muita festa. Era o melhor lugar do mundo. Fui para ver o que ia acontecer, mas coincidentemente fui para o melhor lugar, onde tudo acontecia de bom. Eu aproveitei demais. Eu aprendi a gostar muito de música popular brasileira fora do Brasil. Mas depois houve a Guerra do Yom Kippur, em 1973. Aí os anos dourados acabaram, pela guerra.

Você tem algum parente em Israel no momento?

Tenho um filho, o Matheus, de 29 anos. Quando a Força Aérea Brasileira começou a repatriar as pessoas, disse para ele voltar. Ele não quis. A grande maioria tem esse pensamento, de não querer voltar e lutar por Israel. Por enquanto ele está bem, porque ele está em Jerusalém. O conflito é mais para o litoral do país. Mantemos contato todo dia. Fico apreensivo, mas feliz por saber que ele está bem.

Qual a tua visão diante do cenário atual?

Foi inacreditável. Atacaram justamente o kibutz que mais faz relação humanitária e de ajuda à população palestina. O primeiro passo é lutar para que os reféns sejam libertos. Não queremos guerra, queremos a paz. Sabemos que esse conflito em Israel existe há anos, mas não há lógica. O radicalismo é um grande problema, simplesmente por odiar o próximo por não ser igual a você. Estamos vivendo o pior momento das nossas vidas. O momento, agora, é reagir e continuar lutando pelo que acreditamos e fazendo as coisas certas, sem pensar em vingança. O coração está apertado. Agora, é preciso haver uma negociação internacional para tirar esses reféns.


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