Relatos vindos de guerras: jornalista conta sua experiência na cobertura do conflito Israel-Hamas

Relatos vindos de guerras: jornalista conta sua experiência na cobertura do conflito Israel-Hamas

Enviado especial da Record ao Oriente Médio, o jornalista André Azeredo encerrou sua cobertura do conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas, que governa a Faixa de Gaza

Luciamem Winck

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Como foram os 21 dias nos quais cobriste o conflito entre o Hamas e Israel?

Foram 21 dias muito cansativos, sobretudo por causa do fuso horário, seis horas a mais quando cheguei, depois diminuiu para 5 com o fim do horário de verão em Israel. As entradas ao vivo eram na madrugada de lá, de modo a coincidir com os programas noturnos da Record, e eu começava a gravar cedo. Mas foi uma experiência e tanto como jornalista, pois é um conflito antecedido por décadas de outros conflitos e embates políticos que pautam a agenda do próprio Oriente Médio.

Como vivem os israelenses após aquele ataque brutal que vitimou centenas de civis inocentes?

O ataque de 7 de outubro vitimou 1.4 mil pessoas, 1,1 mil civis e 300 militares. Para os israelenses foi, claramente, um marco nas relações com o Hamas, que governa a Faixa de Gaza desde 2007. Eles ficaram estarrecidos com as execuções a sangue-frio que começaram por uma festa e seguiram pelos kibutz e cidades. 

Em algum momento tiveste medo, já que as sirenes de alerta soam a todo instante? Chegaste a buscar refúgio?

Um pouco de medo sempre temos, no entanto, não tive pavor ou pânico. As regras de segurança em Israel são seguidas de modo sério. Se a sirene toca, as pessoas se abrigam em qualquer prédio, especialmente na região das escadas, e esperam o sistema antiaéreo, chamado de Iron Dome, derrubar o foguete lançado em direção a Israel. Tive que me abrigar dezenas de vezes, em várias partes do país, e foi assim com todos os moradores. Confesso que você se acostuma.

Conversaste com muitas pessoas em Israel, quais os relatos delas? Como analisam os ataques?

Conversei com um incontável número de pessoas. Elas enxergam o ataque como um ameaça direta à existência do povo judeu e ao estado de Israel. Enxergam a guerra declarada ao Hamas como uma guerra de continuidade de sua existência. E sacramentam que Israel será marcada como antes e depois do 7 de outubro.

Algum relato em especial te tocou?

O relato que mais me chocou foi dos voluntários do Zaka, uma ONG que recolhe corpos. Isso mesmo. Existe uma ONG israelense pra isso. O relato dessas pessoas acostumadas a recolher corpos em regiões de conflito, desastres e ataques terroristas foi assustador. Sobretudo a história de uma mulher grávida, que teve seu filho arrancado da barriga e depois foi assassinada junto com o bebê. Macabro.

Foste aos kibutz onde ocorreram os massacres?

Sim. Fui nos kibutz que ficavam na fronteira da Faixa de Gaza. Vi muita destruição e senti o cheiro de morte.

Chegaste em Israel quatro dias após o início dos bombardeios. O que viste? 

Cheguei em Israel dia 13 de outubro. Vi um país se preparando para uma guerra. Uma mobilização enorme de reservistas chegando de outros países. Vi as Forças Armadas se mobilizarem para invadir Gaza. Sentia a tensão diária de o conflito se estender para uma guerra com outros países. Esse era meu maior medo, uma vez que a capacidade bélica do Hamas é muito inferior à de Israel, ainda que o grupo terrorista tenha acertado um golpe certeiro, mortal e doloroso no estado judeu naquele dia 7 de outubro.

Identificaram uma célula terrorista do Hezbollah no Brasil. Como vês isso?

Não me surpreende em nada. É de conhecimento público essa capilaridade dos grupos terroristas radicais islâmicos em diversos países, em especial para recrutamento. Para acontecer um atentado, basta um motivo que eles entendam como relevante.

Como a população encara o fato de o governo brasileiro não tratar o Hamas como um grupo terrorista?

A sociedade israelense ficou, de fato, inconformada com qualquer país, entidade ou empresa que não considerou o Hamas como grupo terrorista. Com o Brasil não foi diferente, embora não se escutasse manifestações de repúdio contra o Brasil com frequência.

Foste abordado por policiais israelenses durante a cobertura da guerra entre Israel e Hamas. O que eles queriam?

Fui abordado várias vezes. Eles queriam o de sempre. Saber quem eu era, de onde era, ver meus documentos, saber para qual empresa trabalhava. O de praxe.

Também cobriste a guerra entre Rússia e Ucrânia. Como foi essa experiência?

A experiência na Ucrânia foi minha primeira experiência com guerra. Foi triste e enriquecedora do ponto de vista cultural. O Leste europeu também é uma região conflituosa, embora não tanto quanto o Oriente Médio. Mas ali aprendi a dinâmica de uma cobertura de guerra.

Um ano depois do início do conflito retornaste à Ucrânia. O que encontraste por lá?

Um ano depois encontrei a capital Kiev com a vida o mais normal possível e um leste da Ucrânia ainda castigado, até porque o confronto se concentra lá, além de uma população de “saco cheio” da guerra e dos ataques aéreos promovidos pelos russos.

Durante os bombardeios russos, as destruições são evidentes. O que viste e jamais esquecerá?

Eu jamais esquecerei os estragos que vi nas cidades vizinhas a Kiev, totalmente destruídas e muitos pedaços de corpos ainda espalhados pelo chão, centenas de milhares de cartuchos, tanques dilacerados e uma infinidade de minas terrestres aguardando um passo em falso para mandar qualquer um pelos ares.

Como é a vida de um correspondente de guerra? É preciso ter sangue-frio?

A vida de um correspondente de guerra é de trabalho dobrado, atenção redobrada em todas as informações que estão correndo e, sim, um certo sangue-frio na medida em que você precisa saber que está em uma área perigosa. Precisa mostrar o que está acontecendo, mas em segurança porque nenhuma matéria vale a sua vida. Nenhuma.

O que ficam dessas experiências profissionais em situações tão cruéis?

Fica das experiências nas duas guerras um entendimento e uma percepção maior da natureza humana e suas complexidades. Como narrativas convencem grupos enormes de pessoas a se atacarem e se matarem muitas vezes sem um claro questionamento sobre se aquilo faz sentido.

Em algum momento correste riscos? Como é viver, mesmo que temporariamente, em meio aos estrondos e ao medo?

Sempre corri riscos como todas as pessoas que estão em zona de bombardeio. Viver uma rotina assim assusta, claro. Evolui para muito medo se as coisas muito perto de você começam a ser atingidas em cheio e não há perspectiva de parar os ataques

Como saciaste a fome em meio aos conflitos?

Comprando comida em mercados e, na maior parte das vezes, nos poucos restaurantes que funcionam, geralmente com cardápio reduzido.


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