Superlotações preocupam

Superlotações preocupam

Crise sanitária e superlotação: desafios iniciais da gestão em saúde

CHRISTIAN BUELLER

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Quais os seus principais desafios no início da gestão?

Como funcionário de carreira da Secretaria de Saúde do RS há mais de 20 anos, eu nunca tinha visto uma superlotação dos hospitais antes do inverno como essa que vemos no Estado, especialmente em Porto Alegre, em nossas emergências, Unidades de Terapia Intensiva (UTI), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e postos de saúde. Portanto, temos, sim, uma crise sanitária antes do inverno.
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E quais fatores o senhor elenca para que este fenômeno esteja ocorrendo?

Há motivos que vêm um pouco da própria situação da epidemiologia e há também fatores de políticas de governo. Por exemplo, convivemos nos últimos seis anos com a Emenda Constitucional 95, de 2016, que estabeleceu um teto de gastos para a saúde e educação. Isto retirou do SUS R$ 40 milhões. Antes, criticávamos o subfinanciamento.

Agora, temos o desfinanciamento, oriundo de uma política que não tinha a saúde como prioridade. Outra razão para a superlotação veio com o pós-Covid. Na pandemia, muitas cirurgias eletivas não foram feitas, assim como consultas especializadas, check-ups e exames, que as pessoas deixaram de fazer, inclusive quimioterapia. Acontece que essas pessoas estão chegando às emergências em situações muito avançadas: atualmente 80% dos pacientes que chegam aqui à emergência do Conceição são pacientes graves que precisam imediatamente de internação ou de intervenção cirúrgica.


Outro fator que a pandemia trouxe foi uma grande fatia de pessoas que passaram a conviver com menos recursos. Isso também influenciou para as superlotações?

Com certeza, há indicadores que comprovam um empobrecimento da população nos últimos anos e, consequentemente, uma migração dos planos privados para o sistema público de saúde, que é o SUS. Na educação também, os filhos saíram de colégios privados e foram para os públicos. Então, esse também é um fator que acaba contribuindo para essa situação. Ainda há outros motivos, como a crise do IPE. Muitos profissionais se descredenciaram, muitos hospitais deixaram de atender por este plano e essas pessoas migraram para a porta do SUS. Não podemos nos esquecer também que a Região Metropolitana tem um índice de cobertura da rede primária menor do que acontece no Interior. Essas pessoas procuram diretamente a porta dos hospitais.

Qual a sua opinião sobre a atenção primária de Saúde hoje em dia?

Uma última variável que impacta a superlotação também vem da profunda terceirização da atenção primária. Um “empresarialização” da área da saúde, no meu ponto de vista, acaba restringindo o acesso porque quando as empresas não têm mais equação econômica interessante ou restringem o serviço ou vão embora, deixando o prefeito e secretário de Saúde a ver navios.

É possível reverter este quadro tão complexo?

Então, todos estes fatores que citei contribuem para um fenômeno que, em mais de 20 anos, eu não via. Todas as medidas que os hospitais, especialmente os gestores municipais e o gestor estadual tomaram para o inverno não serão suficientes. Se, em um dia, um local já estiver superlotado, em dez dias, a situação vai se agravar, pois estamos acima do limite. É preciso agir enormemente. No GHC, colocamos mais oito leitos de UTI pediátrica, mais do que isso não é possível. Em junho, são mais 28 leitos clínicos aqui no Conceição para que a emergência tenha vazão. Estamos, também, abrindo, aos sábados, quatro unidades de saúde: Leopoldina, Parque dos Maias, Coinma e o posto Conceição, próximo à UPA Moacyr Scliar, que está com 800% acima da sua capacidade instalada.

O que a população pode fazer para contribuir com os esforços que os hospitais têm buscado propor?

Muitas internações podem ser evitadas com a vacinação, basicamente, e estamos com baixa cobertura da bivalente contra a Covid-19 e a contra a gripe. Então, é um apelo que a gente faz para população se vacinar. Nós vivemos em uma cultura de negação de vacina que acabou prejudicando a população. Se não fosse a vacina, seriam muito mais do que 700 mil mortes.

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, destinou um acelerador linear utilizado para radioterapia e mais R$ 29 milhões para a aquisição de equipamentos e mobiliário para o novo Centro de Oncologia do GHC.

Como estão os preparativos para este espaço, que deve funcionar a partir do ano que vem?

Já estão fazendo a licitação de todos os equipamentos clínicos e não clínicos, com a previsão de inaugurar com o presidente da República em julho do ano que vem. Até receber os equipamentos, alguns deles importados, instalar, fazer o teste, isso demora um ano. O que será disponibilizado para a comunidade é o equipamento mais moderno na área de oncologia do Estado, inclusive uma área com transplante de medula. A média ali na emergência, é de quatro pacientes nesta área para cada 10 que chegam ao setor. É preciso atender imediatamente depois do diagnóstico. Por lei, 60 dias depois do diagnóstico de câncer tem que iniciar o tratamento. Para se ter uma ideia, 43% das sessões de quimioterapia de Porto Alegre, é o Conceição que faz e nós vamos ampliar ainda mais este número. E não temos radioterapia, mas passaremos a ter.

O quadro de profissionais de saúde será ampliado?

Já negociamos com o Ministério de Saúde, em março deste ano, a liberação de 639 vagas para abrir o Centro de Oncologia. Nós já estamos com os cadastros feitos, 60 dias de treinamento e, em julho, começam. Porque nós já temos oncologia aqui, mas além disso, precisamos destas vagas, porque vai haver ampliação de serviço. O centro terá um impacto assistencial muito significativo para o Estado do Rio Grande do Sul e, especialmente, para região metropolitana e Porto Alegre.


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