Tatiana Sager: "O presídio acaba servindo apenas como local para a segregação"

Tatiana Sager: "O presídio acaba servindo apenas como local para a segregação"

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Tatiana Sager dirige Tatiana Sager dirige "Central". Foto: Still / Panda Filmes / Divulgação / CP


O documentário “Central”, sobre o Presídio Central de Porto Alegre, é o primeiro longa-metragem da cineasta gaúcha Tatiana Sager. Jornalista formada pela PUCRS, ela já tinha dirigido dois curtas anteriormente ("Janete - Minha Vida não é um Romance" e "O Poder entre as Grades"), além de ter participado como diretora executiva de outras produções cinematográficas. O lançamento oficial de "Central" ocorreu no dia 30 de março nos cinemas de Porto Alegre, Caxias do Sul (RS), Rio de Janeiro e São Paulo. Este é um filme obrigatório para todos os que se preocupam com a realidade social brasileira, pois permite um mergulho no sistema prisional e traz à tona o poder das facções, que comandam grupos tanto dentro como fora das cadeias. O Correio do Povo conversou com a diretora, que fala sobre a experiência de fazer este filme.

Correio do Povo: Como a equipe foi recebida no Presídio Central? Houve alguma resistência ou, ao contrário, as pessoas envolvidas no processo, tanto da parte dos presos como da Brigada Militar, queriam ser ouvidas?
Tatiana Sager: Foi muito tranqüilo. Fomos sempre bem recebidos. Os presos, em geral, queriam sempre falar. A direção nos recebeu sempre muito bem e os policiais militares, depois de ser autorizados por seus superiores, também não se importavam de serem filmados, muitos inclusive gostavam de contar histórias que aconteciam lá dentro.

CP: Quanto tempo durou a produção do filme? Durante a rodagem, alguma questão mudou dentro do presídio?
Tatiana Sager:  Entre filmagem, montagem e finalização, a produção durou cerca de três anos. As coisas sempre mudavam dentro do Presídio. As vezes evoluíam com muita rapidez, outras vezes, retrocediam completamente. Estivemos gravando no presídio durante três diferentes gestões de direção. Convivemos com várias mudanças de lideranças nas facções. Muitas vezes, quando estávamos chegando a acordos com líderes de facções, para conseguirmos entrevistá-los ou que levassem câmeras para suas galerias, estas pessoas trocavam de presídio ou voltavam atrás e toda a nossa negociação tinha que ser recomeçada.

CP: No documentário, assistimos a várias cenas chocantes. Alguma delas te chocou acima de todas?
Tatiana Sager: Várias coisas me chocaram, mas uma das que me deixavam abismada eram as cachoeiras de merda caindo no pátio enquanto presos estavam tomando sol. E um depoimento que mexe bastante comigo é a de um cara que é viciado em crack há 14 anos e diz que pretende parar quando sair do presídio, ir para o “hospital Espírita para conseguir parar de usar drogas”, o que significa que dentro do presídio ele não consegue parar.

CP: Em uma cena, vemos que os presos de uma galeria superlotada vão receber a visita de seus familiares levando colchões e pertences. Por que isso acontece?
Tatiana Sager: Na primeira saída de galeria (que aparece no filme), é dia de visita. Eles levam pertences e colchões porque passam o dia no pátio. A segunda saída, na qual são revistados pela Brigada, não foi realizada em dia de visita. Eles estão indo ao pátio para que os policiais entrem em sua galeria para a revista geral. Esta revista acontece todas as quintas-feiras em uma galeria do Presídio Central. Os presos nunca sabem qual a galeria que será revistada. Eles levam colchões e pertences porque terão que passar o dia inteiro no pátio.

CP: O diretor da penitenciária revela que a instituição recebe R$ 20 mil reais para manter o local. Esse valor é mensal? Desta forma, a prisão se torna apenas um depósito de pessoas? Não há atividades de aprendizagem ou qualquer tipo de iniciativa que possa qualificar os presos para uma vida fora da cadeia?
Tatiana Sager: Sim, R$ 20 mil mensais de verba de custeio para sustentar todo o presídio. Com esse valor, muito pouco pode ser feito. Não há como criar, por exemplo, programas que visem a ressocialização. O presídio acaba servindo apenas como local para a segregação e contenção do preso. Isso, sem impedir que ele comande crimes praticados do lado de fora.

CP: Como foi a experiência de dar a câmera para alguns detentos?
Tatiana Sager: Foi a partir de uma difícil negociação que durou cerca de três meses. Não havia como entregar câmeras para os presos, sem que os líderes das galerias consentissem. Quatro acabaram aceitando, sendo dois deles ligados à facções. As imagens captadas por eles, os presos, enriqueceram muito o documentário.

CP: Um dos aspectos mais graves que é registrado em teu filme é que o preso, mesmo que for para o semi-aberto ou for efetivamente solto, é obrigado a continuar trabalhando, do lado de fora, para a facção a que estava ligado na prisão, em troca de pagamento de dívidas feitas dentro da cadeia. A ressocialização à sociedade, portanto, é praticamente impossível?
Tatiana Sager: Para os presos contidos em galerias dominadas por facções, que correspondem hoje a 80% do presídio, é praticamente impossível. Sob o domínio das organizações, os presos acabam se comprometendo, muitas vezes, para o resto de suas vidas, uma vez que as dívidas são quase inevitáveis nesse sistema.

CP: Quando você começou as filmagens, pensava em encontrar um sistema tão perverso?
Tatiana Sager: Não. Definitivamente, não. Tivemos muita surpresa neste meio tempo. A principal, foi descobrir que para líderes de facções, quanto mais gente tiver nas galerias, melhor, pois ela será mais lucrativa. Também me surpreendi com a homofobia do preso.

Por Adriana Androvandi

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