Tecnologia a partir da favela

Tecnologia a partir da favela

Por Christian Bueller

Christian Bueller

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Nascido e criado no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, Lucas Lima, de 27 anos, destaca as seguintes expressões em seu perfil nas redes sociais: “Engenheiro mecânico, professor, favelado e inovação”. Primeiro lugar e vencedor da mais recente edição do Prêmio Pop da Feira de Negócios Shell Iniciativa Jovem, em 2019, ele criou uma impressora 3D a partir de sucata. Empreendedor de sucesso, foi um dos 15 selecionados do programa de aceleração Start Ambev, além de ter sido homenageado com o Prêmio Parceiro dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU). Lima contou suas experiências e ideias ao Correio do Povo.

De onde veio a ideia de desenvolver uma impressora 3D a partir de sucata, destaque da Feira de Negócios do Shell Iniciativa Jovem de 2019?

Em 2018, fui fundador de um laboratório maker na faculdade (espaços montados dentro de instituições de ensino, compartilhados e voltados para que os alunos transformem a teoria em prática). Lá, tive acesso a uma impressora 3D da marca MakerBot que custava mais de R$ 15 mil, aí vi que não era viável comprar uma. Então, pensei que, se um gringo conseguia fazer, eu também conseguiria. Seis meses depois e uma dívida de R$ 680,10, construí a minha primeira impressora 3D.

Você era daqueles garotos que se interessava por tecnologia desde cedo? Conta as suas primeiras experiências nesta área e como isso brotou em você?

Sempre fui cientista maluco, já explodi meu quarto duas vezes fazendo reatores de hidrogênio aos meus 16 anos, mas sempre construía ou desmontava as coisas para saber como funcionava. Meu avô era meu maior exemplo, pois ficava bobo vendo ele montar e desmontar o motor do carro sozinho. Assim comecei a ser mais curioso.

Você fundou a startup Infill, que desenvolve a ciência e a tecnologia entre jovens de periferia. Como é esse trabalho? Em que outras atividades a Infill está inserida?

A Infill nasceu sendo uma fábrica escola de impressoras 3D no Complexo do Alemão, nossa metodologia era ensinar o jovem da comunidade, inseri-lo no processo produtivo, assim, gerando uma tecnologia 100% “made in favela”. Hoje somos uma empresa de pesquisa e desenvolvimento que, no ano de 2021, no interior de São Paulo, desenvolveu seu primeiro protótipo de uma impressora 3D de casas. Atualmente estamos mais na área de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) e consultoria.

Transformar uma habilidade em um negócio parece ser um caminho para o empreendedorismo contemporâneo. Você já consegue se sustentar com seu conhecimento?

Sim, atualmente, após três anos, me sustento com a minha ciência, mas foi megacomplicado no início.

Dizem que, se você der uma chance, a favela vai surpreender positivamente. Funciona também para a tecnologia? Olhando para o contexto brasileiro, é possível termos outros Lucas, desde que haja mais oportunidades?

Já temos milhares! A falta de oportunidade, tanto oferecidas pelo poder público quanto pelas grandes empresas, é o que os deixam desconhecidos. A favela é uma mina de ouro de conhecimento, com profissionais altamente capacitados, mas o preconceito é o que atrapalha tudo. Como dizia o escritor William Gibson, “o futuro já está aqui, só não está uniformemente distribuído”.

Quais os seus planos para o futuro?

Sonho para o futuro conseguir desenvolver mais tecnologias, mas, acima de tudo, construir uma faculdade de tecnologia dentro da favela. Onde eu poderei sentar e, de cabeça erguida, dizer que construí minha verdadeira Wakanda (país fictício localizado na África presente nas histórias em quadrinhos).

A sua origem é o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Como foi ser de uma favela e se tornar engenheiro? O que o Brasil precisa para ter mais histórias como a sua?

Não foi algo fácil, mas tive o privilégio de estudar em escolas particulares através de bolsa e do esforço da minha família, mas para o Brasil conhecer mais histórias como a minha é preciso dar mais oportunidades para os jovens. É preciso criar políticas públicas efetivas de acesso à tecnologia e recursos, encarar o preconceito e mostrar para a sociedade que o jovem favelado é mais que um dado de uma estatística, é o futuro.


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