Turismo náutico ainda falha no RS

Turismo náutico ainda falha no RS

Entrevistado do Diálogos aponta versatilidade de atividades do setor

Paula Maia

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Como poderia melhorar o turismo náutico em Porto Alegre?

Quando falamos em turismo náutico, há centenas de atividades diferentes. Temos as locações de barcos, o afretamento, o charter. Os barcos compartilhados são uma tendência muito forte. Sai barato, o preço de um carro popular para cada um. Eles compartilham as despesas de manutenção também. Ainda tem as microembarcações, stand up, além de todos os serviços náuticos e eventos esportivos. 

O senhor já veio algumas vezes a Porto Alegre. Acha que suas observações sobre o turismo náutico na Capital estão surtindo efeito?

Lentamente está nascendo uma sementinha. Mas uma cidade que tem “porto” no nome, uma frente tão gigantesca e estratégica para o rio, um conjunto de bacias hidrográficas e baias, não ser um modelo de referência no turismo náutico é totalmente incompreensível. Qual é o problema? Não gostam do rio? Por que tudo que é feito na água é feito de maneira errada? Por que não existe um conjunto de ilhas flutuantes na frente da Usina do Gasômetro com restaurantes dentro da água? Os barcos encostam, cria-se uma atividade bonita. Dá para colocar um palco. As bandas podem tocar perto das pessoas. Todo o acesso aos portos noruegueses têm degraus, para as pessoas poderem chegar perto da água. Eles atracam os palcos flutuantes há poucos metros. É mais barato que palcos em gramado. Assisti a várias apresentações de conjuntos em que em nenhuma hipótese eles poderiam ficar menos de 200 metros do público e estavam ali, na cara das pessoas. 

Como analisa o setor de turismo náutico no RS?

Completamente primitivo. Não tem nenhuma atividade regular. Tem uma modalidade esportiva que está fazendo muito sucesso no Brasil que é a Canoa Havaiana. As associações de Canoa Havaiana estão conseguindo, junto ao poder público, ocupar a parte das retro praias. O pessoal treina às 5h, seis remadores carregam a canoa e colocam na água em segundos. Em Niterói, são mais de 3 mil canoas. Muitas associações são de uma canoa só, com seis participantes. Essa modalidade criou uma estrutura de organização muito eficiente, que valeria para outras embarcações. É fácil de implementar. O pessoal se comunica, eles já têm os modelos de associação, como se organizar. É uma atividade relativamente barata e são canoas que vão para o mar. É uma atração muito legal para a região de Porto Alegre. Vale muito mais pelo exemplo de organização que eles têm.

De que forma a tecnologia tem influenciado as viagens e explorações marítimas?

Os recursos tecnológicos hoje para a navegação são quase ilimitados. Porém, a vida no barco exige certa competência prática que é muito importante. O que mais sinto falta no Brasil é a infraestrutura para poder receber as embarcações. Não se pode chegar e encostar no Cais do Porto, por exemplo. Não se pode chegar e parar na frente de uma praia. Você tem que ter estrutura náutica com acesso, rampa, flutuador, não pode ser cais fixo. É um conjunto de detalhes que são normatizados e são respeitados no mundo inteiro, menos no Brasil. 

As marinas no Brasil têm essa estrutura?

Minha marina forneceu essa estrutura para mais de cem marinas no Brasil. Tem muitas que têm, mas ainda existe a ideia que dá para fazer marina com bombona plástica, com tambor. Existe uma desinformação absoluta, inclusive por parte de setores evoluídos tecnicamente, como o da construção civil. Cansamos de ver projetos imobiliários gigantescos que, quando chega na parte náutica, tudo sai errado. O flutuador não funciona, não tem acessibilidade, não tem peso mínimo por metro quadrado necessário para ter estabilidade. É quase pregação religiosa que faço tentando convencer o empresário a seguir a norma internacional. Não é questão de clientes apenas, mas da seguradora do cliente. Uma seguradora tupiniquim faz seguro de qualquer jeito. Uma seguradora de fora não faz. 

Hoje como o senhor resumiria a sua vida? 

Eu lamento muito o fato de não ser engenheiro, mas agradeço ao mesmo tempo. Entendo muito de engenharia, gosto de soluções criativas e eficientes. Gosto de tecnologia funcional. Como falo às vezes, gosto de tirar a tecnologia e encontrar soluções simples, ousadas, duráveis e confiáveis. Agradeço o fato de não ser engenheiro porque sou obrigado a escutar quem é. Acho que essa combinação entre o conhecimento prático e acadêmico é muito rica. 

Como se sente sendo o pioneiro na construção de muitas embarcações?

Não faço pelo pioneirismo. Tive uma escola muito importante, que foi viver com o pessoal simples de Paraty. Aprendi com esses caras. Depois, com mais recursos, viajei muito pelo Brasil e gostava muito de visitar os polos de produção de embarcações locais. A ideia do Museu Nacional do Mar, que sou um dos fundadores, não era mostrar a cultura brasileira, mas a tecnologia que está por traz de soluções tão simples, a criatividade. Como por exemplo a jangada de piuba, que é único barco do mundo que não tem leme. Dirige-se variando o centro vélico para frente e para trás. É genial. 

O que o Amyr Klink de hoje acredita?

Acredito em muita coisa. Não acredito que a gente vai poder conseguir bem-estar, evolução e melhorar social e economicamente sem compartilhar o mundo de hoje. Vejo no meu negócio que a indústria do compartilhamento é extremamente saudável. No mundo náutico, os barcos têm muito tempo ocioso, principalmente os barcos privados. Eu acho que estamos em um período em que as pessoas não querem mais bens, querem benefícios. Acho isso fascinante.

Até na questão de moradia. Não existe casa própria. Se você para de pagar não é mais sua. Se você morre, a casa não é mais sua. A geração da minha filha nunca vai ter casa própria. Eles querem ter moradia legal em qualquer lugar do mundo. A minha filha está morando dentro de um museu. Se eu quiser entrar lá no museu em uma segunda-feira, onde ela mora, não pode, porque é fechado. Ela achou um lugar incrível para morar. Por que temos que andar com o mesmo carro todo dia? 

Como a escrita entrou na sua vida?

Escrevi “Os Portos do Mundo” e o “Porto do Rio”, que fala um pouco desse tema em uma época muito pior do que agora. Ninguém acreditava que era possível viver da atividade náutica. Os gestores achavam que o turismo náutico era apenas o dos navios. Não, é muito maior, é um universo. Aliás, o turismo dos navios, às vezes, é tóxico. Alguns cruzeiros, por exemplo, têm restaurantes, lojas e concorrem contra os destinos. O pessoal não gasta nada, desce somente para olhar. Com a questão tributária ainda fica mais barato. 

Está vindo mais um livro?

Ainda não sei, minha mulher que enche a paciência para escrever mais um livro. Eu queria contar os casos que não deram certo. Fazer um livro chamado “Tudo para dar errado, só que deu certo”. São casos engraçados que tinham tudo para dar errado, mas no último momento deram certo. Ninguém vê os obstáculos. Acham que tenho fundos financeiros infinitos. Por exemplo, o Paratii 2 que hoje é superconhecido no mundo, eu quase perdi o barco dez vezes. 

Que recado fica para a nova geração?

Tudo o que fizer, faça bem-feito. Essa geração é privilegiada no sentido de estar se desapegando dos valores materiais, mas tem problemas. Um dos problemas é que quer cortar caminho, pular degraus, chegar direto ao topo. 


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