A negação do vira-latismo

A negação do vira-latismo

O Mundial, como o Campeonato Brasileiro, está perdendo a graça.

Hiltor Mombach

Manchester City levantou a taça do Mundial de Clubes após golear o Fluminense na final

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Segue trecho do genial dramaturgo Nelson Rodrigues.

“A pura, a santa verdade é a seguinte: — qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma: — temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de “complexo de vira-latas”. Estou a imaginar o espanto do leitor: — “O que vem a ser isso?” Eu explico.

Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos “os maiores” é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: — e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: — porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.”

A NEGAÇÃO DO VIRA-LATISMO

Fui assistir a Fluminense e City. Nem havia me acomodado no sofá e já estava 1 a 0 para os ingleses.

Pareciam jogar como quem vai catar pitanga. Veio o segundo, o terceiro, o quarto...

Eu de olhos arregalados em frente ao televisor, assombrado, um tanto escandalizado e, confesso, envergonhado. A minha pátria de chuteiras estava sendo aniquilada, pisoteada, humilhada.

Espanto maior só aquele provocado pelos comentários. Coisas do tipo “que ano teve o Fluminense”, “o torcedor do Flu tem que estar orgulhoso”, “o time até teve seus bons momentos”, ou “temos que comemorar este feito de estar aqui, na final”.

Como? Nos colocaram na roda e temos que comemorar? Melhor, amigos, o completo de vira-latas do que a negação do vira-latismo. Não ouvi a explicação para o fato. A explicação segue abaixo.

LEI BOSMAN

Quando o Grêmio caiu diante do Real Madrid convidei meu querido amigo Omar Selaimen para escrever o texto que segue:

“O Grêmio pratica o melhor futebol do nosso continente, porém não foi páreo para o Real Madrid. O time espanhol dominou a partida do seu início ao fim.

Grande responsável pela diferença absurda que existe entre os times da América do sul e os europeus não é o Zidane , Cristiano Ronaldo, etc... Jean-Marc Bosman é o cara.

A lei Bosman de 1996 é a grande responsável pelo domínio absoluto atualmente do futebol europeu. Foi o grande divisor de águas. Uma lei que apesar de ajudar a carreira de muitos jogadores, acabou concentrando toda a força do futebol mundial em poucos clubes europeus, acabando com a competitividade. Tornou o futebol previsível. Os grandes clubes europeus até 1995 podiam ter de ate 4 estrangeiros, após a lei Bosman o número ficou ilimitado. Basta ser europeu ou ter o passaporte europeu para jogar, empobrecendo o nosso futebol.

De 1960 até 1995 a América do Sul ganhou 19 títulos mundiais, contra 14 dos europeus. Times brasileiros, argentinos, uruguaios e paraguaios encararam e trouxeram o título para o nosso continente.

De 1996 até 2017 inverteu a hegemonia. A América do Sul conquistou só 6 títulos, enquanto os europeus levantaram a taça 17 vezes. Os clubes brasileiros e o Boca Juniors pela argentina conseguiram vencer.
Só grandes clubes europeus deviam dar uma estátua para Jean-Marc Bosman, graças a ele conseguiram através do poderio econômico suplantar os clubes Sul Americanos.”

MUDANÇA

Leio aqui e ali que a Fifa pretende mudar algumas coisas para tornar este Mundial um pouco mais parelho.

A Fifa, sabemos, é como aquele cachorro que muito late mais não morde. Ameaça os pequenos e se dobra diante dos poderosos.

Não deverá fazer nada. Com a nova fórmula, façanhas como aquela do Inter em 2006 acontecerão de 50 em 50 anos. O Mundial, como o Campeonato Brasileiro, está perdendo a graça.


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