Flamengo, Palmeiras, Corinthians e o "Projeto Rodrigo Pacheco"

Flamengo, Palmeiras, Corinthians e o "Projeto Rodrigo Pacheco"

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Por RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO
No site https://www.migalhas.com.br/

Não sou comentarista de futebol. Mas foi um prazer enorme assistir ao jogo entre Flamengo e Palmeiras, pela disputa da Supercopa do Brasil. Tanto prazer que, em vários momentos, dava para esquecer que, ali, enfrentavam-se dois rivais do meu time de coração. O problema é que aprendemos a nos contentar com pouco. Sim: um ou outro jogo de alto nível, dentre centenas de outros sofríveis, realizados nos planos estaduais ou nacional.

Mesmo aquele raro momento de prazer futebolístico não deve turvar a visão em relação à situação local: recentemente, ambos os times, que são atualmente os dois melhores do país - aos quais talvez venha a se juntar o Galo, ao menos enquanto mecenas se dispuserem a empregar tempo e recursos para alimentar suas paixões -, não conseguiram demonstrar, diante de times europeus, o mesmo vigor. O Flamengo, é verdade, passou à final do mundial em 2019; já o Palmeiras, em 2020, voltou sem sequer passar das semifinais (caindo contra o Tigres, do México).

Os fracassos descortinam, pois, a realidade: os mais fortes do Brasil não têm lugar entre os melhores times do planeta. O que se dirá, então, dos demais, outrora campeões mundiais, que se afundam em seus problemas: o São Paulo, que disputa um paulistinha como se fora um mundial; o Santos, que foi esmagado pelo Barcelona anos atrás; o Grêmio, que se apequenou diante do Real Madrid; o Inter, que passou, recentemente, uma temporada na segunda divisão; e o Corinthians, que recebeu de determinada torcida uniformizada uma sugestão para que se organizasse uma vaquinha com intuito de levantar dinheiro para enfrentamento das suas dívidas.

Enquanto o associativismo, como forma de detenção da propriedade do futebol, preponderou mundo afora, o Brasil foi grande; mas agora que todos os principais protagonistas (exceto dois), de todos os países relevantes, reformularam seus modelos (e impuseram novos meios de detenção da propriedade e de exercício da empresa futebolística), o distanciamento entre os times brasileiros e os europeus intensifica-se a cada dia - e tende a se tornar inalcançável, se o movimento correto não for realizado de modo imediato.

Lembremos.

O São Paulo teve lugar de destaque, sobretudo entre os anos 1980 e 2000, servindo como referência nacional. Sua hermética política interna, controlada por poucos cardeais, foi a mesma que o levou a um processo autodestrutivo, causado pela multiplicação de partidos e pela sobreposição de interesses particulares sobre o bem maior.

O movimento do Palmeiras seguiu sentido inverso. A turma da corneta não desapareceu; mas uma sucessão de fatores - inaugurados com o salvador projeto de construção de uma arena de padrão mundial, encabeçada pelo então presidente Luiz Gonzaga Belluzo, que facilitou, anos depois, a realização de uma presidência relativamente diferenciada por Paulo Nobre (que fundiu gestão com paixão), até se chegar à dominação de Leila Pereira (com a aparente imposição de um modelo semelhante ao são-paulino dos tempos vitoriosos, no sentido de resolver, interna e hermeticamente, os problemas políticos e esportivos) - viabilizou o sucesso atual.

O problema é que, para dar passos maiores, que atendam aos sonhos reprimidos de sua torcida, os recursos de uma pessoa (ou de suas empresas), sob a forma de empréstimos, não serão suficientes. Para ombrear os grandes do planeta, os movimentos deverão ser mais ambiciosos - e somente se praticarão com estruturas sofisticadas e um projeto empresarial sustentável. Por isso que o Palmeiras (e não que seja pouco, nos dias de hoje), sob a forma como se organiza, bateu no teto, chegou no seu limite.

Teto esse que, no Flamengo, é mais alto. Por vários motivos: tem a maior torcida do país, é o time não-oficial do Estado brasileiro (que sempre o apoiou, direta ou indiretamente, por diversos meios, inclusive patrocínios) e, por esses e outros fatores, favorece-se de um espaço midiático que não se estenderá a qualquer rival. Mesmo assim, quase conseguiu quebrar, por volta dos anos 2010.

O processo de recuperação, iniciado com Eduardo Bandeira de Mello e seu grupo, viabilizou, em pouco mais de 6 anos, a construção de uma estrutura que, apesar da tensão política interna, vem se sustentando e, desde 2019, acumula, sob a presidência de Rodolfo Landim, 10 títulos1. É muito, mas é, ao mesmo tempo, pouco.

Com as suas características, o Flamengo deveria almejar, no mínimo, a presença entre os 10 maiores do planeta - e não apenas o protagonismo regional, nacional ou meramente continental (não se podendo renegar, ainda, as forças de times como os argentinos Boca Junior e River Plate, por exemplo - os quais poderiam ser superados, em muito, pelo Flamengo).

Ao contrário do Palmeiras, seu salto ainda não o fez bater no teto; mas não está muito longe. Para que rompa essa barreira e confirme sua aptidão à internacionalização, também precisará mais do que uma receita anual da ordem de 1 bilhão de reais, que, em euros, representa menos do que a receita obtida pelo Eintracht Frankfurt (20º maior time avaliado pelo critério de receita, de acordo com o Finance Football, com base em relatório da Deloitte2).

Mas o sintoma mais preocupante, dentre os times mencionados neste artigo, é apresentado pelo Corinthians, que detém a segunda maior torcida do país e a maior renda per capita. Além disso, teve a oportunidade de, a partir de 2013, assim como o Flamengo, introduzir um modelo preparatório para acessar o mercado de capitais e para se internacionalizar.

Seguiu o caminho errado e, atualmente, ao invés de flertar com receita bilionária, como se prometia, é assombrado com uma dívida de mesma magnitude. Pior, tem que se sujeitar a uma proposta que, mesmo que formulada com boa intenção, não se coaduna com os modernos meios de financiamento da atividade futebolística: uma espécie de vaquinha entre seus torcedores. Isso não condiz com o tamanho (tampouco o potencial) do Corinthians.

Resumo desse estado de coisas: os times brasileiros, dos mais vitoriosos aos mais desesperados, dos maiores aos menores, dos nacionais aos regionais - portanto, não apenas os citados no texto - carecem de meios para resgate, desenvolvimento, financiamento e crescimento sustentável, com perspectivas locais e globais.

Aliás, de um modelo que viabilize a um só tempo caminhos distintos, que se acomodem aos propósitos e às características de cada clube e de cada sociedade anônima do futebol que se constituirá, conforme projetos definidos, internamente, por seus próprios associados.

É isso o que oferece o PL 5.516/19, de autoria do atual Presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM/MG): um marco regulatório, ou uma espécie de moldura legislativa, e os instrumentos para que, dentro desse marco, cada time escreva, com orgulho, os novos capítulos de sua história. Daí a necessidade e a urgência de votação e inserção do PL no sistema.  


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