"Liberação de álcool nos estádios é um retrocesso"

"Liberação de álcool nos estádios é um retrocesso"

Entrevista com juiz Marco Aurélio Xavier, titular do Juizado Especial Criminal (Jecrim)

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Entrevista com juiz Marco Aurélio Xavier, titular do Juizado Especial Criminal (Jecrim).

A primeira audiência do Juizado Especial Criminal (Jecrim) nos estádios aconteceu em 09/04/2008, antes mesmo do início da partida entre Grêmio e Atlético Goianiense pela Copa do Brasil. De lá para cá o que mudou?
Muita coisa se modificou, desde a inauguração do projeto de inserção do Poder Judiciário nos estádios e grandes eventos.
No plano interno, do Judiciário, houve uma conscientização sobre a necessidade de rever seus conceitos de funcionamento, de modo a garantir efetividade e celeridade, o que hoje é uma realidade, principalmente pela melhoria da fiscalização de torcedores penalizados, bem como pela imediação das respostas penais, frente aos fatos havidos nos estádios e grandes eventos.
Na esteira destes avanços, precipitou-se uma mudança cultural nos torcedores, e nas torcidas organizadas, que passaram a perceber a presença do Estado de forma completa, nestes ambientes, o que foi um dos grandes fatores a estimular a pacificação dos ambientes dos estádios, hoje uma realidade em Porto Alegre!
É possível atestar a diminuição da violência com base em números?
Perfeitamente possível. Tivemos uma redução de todos os delitos em si, em termos de números absolutos, exceção feita aos delitos de posse de drogas, infelizmente ainda muito incidentes, nos estádios, a desafiar medidas objetivas, dos clubes e Poder Público. O dado de redução mais visível, e importante, é o das ocorrências de violência de grupos – brigas entre torcidas organizadas rivais –, que praticamente não ocorreram em 2019, fato que é devido a todo um trabalho de conscientização das organizadas, bem como da responsabilização do grupo, em caso de infrações penais dos seus membros.
É possível se afirmar que os casos diminuiram com estádios melhores como a Arena (era o Olímpico) e a reforma do Beira-Rio?
Sem dúvida, a melhoria das instalações dos estádios, agregando qualidade no ambiente e no tratamento dispensado aos torcedores, foi fundamental para a criação de uma cultura de maior civilidade. A lógica é de que, sempre que a administração do clube investe nas boas condições de acomodação do torcedor, está fazendo um investimento na boa relação com o seu cliente, o qual, sentido-se valorizado, retribui com respeito e preservação do patrimônio e respeitabilidade do seu clube de afeição. Isso sem falar nas exigências legais, que impõem o oferecimento de condições dignas ao torcedor, em todos os ambientes das praças desportivas.
Há uma nova iniciativa de se liberar a venda de bebidas alcoólicas nos estádios. O que o senhor teria a dizer sobre isto?
Liberação de álcool nos estádios é um retrocesso, para os fins de preservação da ordem pública nos estádios.
Trata-se de um ambiente onde as emoções se afloram e são, naturalmente, intensas, logo não precisa ser influenciado pelos efeitos perversos do álcool.
Não desprezo os interesses econômicos, que gravitam em torno do tema, inclusive dos pequenos clubes do interior, que contam com este tipo de receita, porém o Poder Público precisa fazer uma opção, entre duas linhas de ação: a primeira é a de priorizar a segurança do torcedor genuíno, que vai ao estádio, apenas, para torcer; e a segunda, que envolve o interesse arrecadatório dos clubes, em muito embalado por uma minoria de frequentadores dos estádios, que não pode-se abster desse consumo, nos horários e locais dos jogos de futebol.Pessoalmente, tenho muito claro que a melhor opção é a de que torcedor em estádio deve estar sóbrio e plenamente apto para torcer e se responsabilizar pela forma de torcer. Aos que apreciam o consumo de bebidas alcoólicas, que fiquem em casa, apreciando os jogos pela televisão, onde estarão guarnecidos e livres de qualquer embaraço, decorrente do consumo do álcool.
O Jecrim passará por reformulação, tendo maior abrangência nos atendimentos. Como será?
O Juizado do Torcedor e Grandes Eventos, a partir de 2019, recebeu importante reestruturação. Passamos a integrar a 14ª Vara Criminal, assumindo a condição de Vara do Torcedor e dos Grandes Eventos, com uma ampliação importante, no seu âmbito de atuação. Passamos a assumir a competência cível e administrativa, de modo que o Juizado deixou de possuir apenas o mister punitivo-criminal e assumindo a plena finalidade institucional do Poder Judiciário, que é a de garantidor de direitos subjetivos dos torcedores e consumidores de grandes eventos, em demandas contra os clubes, administrações desses espetáculos e, até mesmo, o Poder Público. Com isso, teremos a aproximação e a aceleração da jurisdição, predicativos do Juizado do Torcedor, postos ao alcance do torcedor nos estádios, na sua acepção plena, acolhendo pretensões individuais e coletivas de torcedores, eventualmente lesados por atos dos clubes, Federação e, até mesmo, do Poder Público.
O dinheiro arrecadado com multas e outros procedimentos reverte para quem? 
O produto da arrecadação de multas e penalidades, decorrentes das sanções aplicadas no Juizado do Torcedor, é destinada a um Fundo de Arrecadação centralizado Vara de Execuções de Penas Alternativas (VEPMA), de onde são destinados para projetos sociais, de atendimento a pessoas vulneráveis, ou de interesse público. Esse gerenciamento é feito com foco na destinação o mais humanitária e producente possível. 
 Juizado do Torcedor é um órgão de prestação de serviço público, que pretende devolver o máximo de justiça ao cidadão torcedor/consumidor. Para tanto, busca a pacificação por meio de um viés conciliatório, reparador, sem abrir mão das sanções decorrentes de eventuais infrações, nas quais busca o máximo de eficiência possível.

 


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