Os clubes de futebol e a recuperação judicial

Os clubes de futebol e a recuperação judicial

Maior perigo é o clube empresa falir

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Por Luis Gustavo Schmitz*

Com mais de 100 dias sem futebol, até os clubes que se mantinham equilibrados vêm passando por séria crise de liquidez. Imaginemos, então, a situação dos que já padeciam de recursos para manterem-se com suas contas em dia antes da pandemia. Muitos clubes há anos enfrentam situações como penhoras de seus estádios, rendas de jogos, recebíveis dos sócios e TV.
Não há como imaginar que as dívidas trabalhistas, impostos, fornecedores e com bancos possam ser equacionadas sem uma medida drástica de reestruturação, 
A reestruturação das dívidas trabalhistas e civis não conta com amparo judicial. Assim, lhes resta o caminho de um amplo Plano de Negociação com os credores, sob pena de incidirem numa eventual dissolução, ou seja, o fim de uma história muitas vezes vencedora e que move paixões. Inobstante às dificuldades, os clubes de futebol terão que enfrentar seus compromissos e, alguns mais estruturados, poderão analisar sob a ótica de uma eventual recuperação judicial, comumente batizada no meio jurídico por “RJ” simplesmente, que na verdade é um instrumento legal de proteção do seu “negócio” até que encontre meios de enfrentar suas dívidas.
Este é o ponto crucial da nossa opinião, pois a grande maioria dos clubes está constituído sob o registro de “associação civil para a prática do desporto e sem fins econômicos ou lucrativos”, ou seja, não se constituem em sociedade empresária, que é um dos requisitos legais para se pleitear a proteção legal por meio da reocupação judicial ou extrajudicial. 
Contudo, considerando a natureza de suas atividades, acabam atuando como verdadeiras sociedades mercantis e/ou empresariais em função da atividade econômica organizada que praticam. Há juristas que defendem a ideia do simples enquadramento por conta da atividade exercida pelos clubes, pelo fato de que há muitos destes que são grandes entidades geradoras de renda, empregos e de riquezas, de forma direta ou indireta, justamente por conta de suas atividades econômicas.
A Lei 11.101/05, que disciplina a Recuperação Judicial, a Extrajudicial e a Falência das sociedades empresárias, objetivamente não prevê a possibilidade da recuperação judicial das associações civis sem fins lucrativos, na qual a maioria dos clubes se enquadraria. Respeitosamente, entendo que esta posição é um tanto frágil no que tange a um dos requisitos essenciais para se requerer uma recuperação judicial, que é a previsão legal de ser entidade empresária de fato e de direito devidamente constituída e em atividades há mais de dois anos. 
Entretanto, diante da necessidade de se criar mecanismos para que estes clubes possam enfrentar suas crises, me solidarizo com a posição jurisprudencial que vem se consolidando no Superior Tribunal de Justiça em casos análogos (como produtor rural e associações civis) posteriormente transformadas), no sentido de que, comprovada a atividade há pelo menos dois anos e registrada formalmente na Junta Comercial do seu estado, haveria a possibilidade de se requerer a RJ como forma de assegurar um prazo para sua reestruturação financeira.
Em suma, teria de ocorrer a transformação de uma “associação civil” em uma “sociedade empresária” (clube empresa), o que passaria necessariamente pela alteração estatutária aprovada pela Assembleia Geral dos Associados. Vencida esta etapa, entendo que o requisito dos dois anos de funcionamento e exercício da atividade econômica seria facilmente comprovado, por conta de que muitos clubes têm suas fundações no século passado.
A partir do deferimento de uma RJ, o clube teria prazo para preparar um Plano de Recuperação com as condições de repactuação do seu passivo para cada uma das classes de credores, exceto as dívidas tributárias e outras de natureza “extraconcursal” (que não se sujeitam à recuperação judicial). Este plano seria apreciado por uma Assembleia de Credores, tudo fiscalizado por um Administrador Judicial nomeado pelo Juízo, bem como um Comitê de credores, se assim optarem.
Cabe frisar que, no caso de descumprimento de alguma das obrigações aprovadas pelos credores, o clube empresa ficaria sujeito à decretação de sua falência, enquanto na modalidade atual de associação civil, no caso de insolvência, passaria pela liquidação judicial ou extrajudicial, que poderá culminar com sua dissolução.
Vivemos em tempos de muitas dúvidas que requerem um tanto de ousadia e coragem, sob pena de muitos clubes sucumbirem à crise acentuada pela pandemia.
*Advogado Especialista em Recuperação Judicial


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