“Pelé, colega de Miguel Ângelo, Homero e Dante”

“Pelé, colega de Miguel Ângelo, Homero e Dante”

Muito já se disse sobre Pelé, muito se está dizendo e muito se dirá. O leitor certamente ouviu falar das crônicas de Nelson Rodrigues exaltando o rei. Mas talvez não tenha tido a oportunidade de ler.

Hiltor Mombach

O velório do corpo de Pelé iniciou na manhã de segunda-feira; enterro está marcado para esta terça-feira

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Muito já se disse sobre Pelé, muito se está dizendo e muito se dirá. O leitor certamente ouviu falar das crônicas de Nelson Rodrigues exaltando o rei. Mas talvez não tenha tido a oportunidade de ler. A que segue leva como título “Pelé, colega de Miguel Ângelo, Homero e Dante”. Primorosa!

“Amigos, o meu personagem do ano tem de ser um jogador do escrete que levantou o Campeonato do Mundo. Mas é um problema catar, num time invicto, imbatível, um jogador que seja, exatamente, o símbolo pessoal e humano desse time e desse escrete. E logo um nome me ocorre, de uma maneira irresistível e fatal: — Pelé.

Olhem Pelé, examinem suas fotografias e caiam das nuvens. É, de fato, um menino, um garoto. Se quisesse entrar num filme de Brigitte Bardot, seria barrado, seria enxotado. Mas reparem: — é um gênio indubitável. Digo e repito: — gênio. Pelé podia virar-se para Miguel Ângelo, Homero ou Dante e cumprimentá-los, com íntima efusão: — “Como vai, colega?” De fato, assim como Miguel Ângelo é o Pelé da pintura, da escultura, Pelé é o Miguel Ângelo da bola. Um e outro podem achar graça de nós, medíocres, que não somos gênios de coisa nenhuma, nem de cuspe a distância. E que coisa confortável para nós, brasileiros, saber que temos um patrício assim genial e assim garoto!

Vejam: — dezessete anos! Na idade em que o pobre ser humano anda quebrando vidraça, ou jogando bola de gude, ou raspando perna de passarinho a canivete, Pelé torna-se campeão do mundo. Estava lá um rei, Gustavo, da Suécia. E viu-se, então, essa coisa que estaria a exigir um verso de Camões: — o rei desceu do seu trono e foi cumprimentar, foi apertar a mão do menino Pelé. 
Então, pergunto: — que experiência real teria o menino de cor? Havia de conhecer, no máximo, rei de baralho ou o Rei Patusco do gibi. Gustavo foi o primeiro rei autêntico que lhe mostrou os dentes num soberano sorriso.”


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