Só a tragédia une

Só a tragédia une

Não haverá mais nem menos solidariedade, compreensão ou justiça. Porque o que nos une hoje é o medo

publicidade

Vai muito tempo escrevi o texto que segue entre aspas.
"Só a tragédia une e logo acrescento: só a tragédia com morte. Não há nisto uma verdade exagerada. Trata-se tão-somente de uma constatação. Os sempre desunidos clubes se uniram diante do acidente com o avião que transportava a delegação da Chapecoense à cidade de Medellin. Irão emprestar gratuitamente atletas para a Chape jogar em 2017. O Atlético Nacional da Colômbia quer que o título da Sul-Americana fique com o time catarinense. A taça tornou-se secundária, irrelevante. O sonho da conquista morreu na queda do avião.
Vejam o caso do Inter: também assinou uma solicitação formal à CBF para que a Chapecoense não fique sujeita ao rebaixamento à Série B do Campeonato Brasileiro pelas próximas três temporadas enquanto paralelamente ingressa na Justiça para degolar o Vitória.
A tragédia da morte reduz a pó algumas tragédias da vida. Comparada ao padecimento de quem fica, com a dor preservada eternamente enquanto a vida durar, o iminente rebaixamento do Inter foi transformando num percalço da vida.
No pressentimento da morte, a solidão vem acompanhada de pensamentos. No voo que levava o Grêmio para Medellin em 1995 pensei na morte quando o avião chacoalhou. Solitário entre centenas de passageiros, não rezei, temendo ser punido por só ali, em desespero, buscar na reza minha salvação.


Fugacidade 

Ouvi certa feita que não tememos a morte porque desconhecemos a morte. Ou seja, só temos aquilo que conhecemos. Vendo minha vida como uma reprise, percebo que eu não temia a morte. Passei a temer com o passar dos anos. Apavora esta fugacidade de estar hoje e poder não estar mais amanhã. A tragédia confrange, emudece."
Aqui, abro um parágrafo para um texto de Nelson Rodrigues: "O patético de nossa época é que o passado se insinua no presente e repito: — a toda hora e em toda parte, a vida injeta o passado no presente. Olhem em torno e vejam. É terrível. O passado irrompe numa gravata, num gesto, num sapato ou num colarinho. Estamos usando os bigodões dos nossos avós. Há sujeitos que se vestem e calçam como os nostálgicos defuntos familiares".


Coronavírus

 A dramaticidade da queda do avião da Chapecoense irrompe, invade subitamente o presente com a pandemia do coronavírus. Alguém perguntará qual a ligação entre fatos tão distintos. Meu ceticismo. Ouço amigos despejarem palavras confiantes. Acreditam devotamente que a humanidade será melhor passada a pandemia. Numa recaída, passei de descrente a acreditar no conforto espiritual e financeiro aos familiares das vítimas fatais do voo da Chapecoense. Havia um dilúvio de ofertas arrecadatórias, promessas de ajuda material. 
No final de 2019 me deparei com a seguinte manchete num portal: "Vítimas do voo da Chapecoense ainda buscam indenizações nos EUA, três anos depois da tragédia Seguro da LaMia caiu de US$ 300 milhões para US$ 25 milhões no ano do acidente. Especialistas apontam infrações e acusam corretora e resseguradora de má-fé na negociação". 
Retomei meu ceticismo, minha descrença. Minha convicção mais absoluta é que, passada a pandemia do coronavírus, que na sua democracia desconhece ricos e pobres, voltaremos a ser quem somos, se é que me faço entender. Não haverá mais nem menos solidariedade, compreensão ou justiça. Porque o que nos une hoje é o medo. E este vai passar. 
Isolamento 

Estou no vigésimo dia de isolamento. Sigo uma rotina estabelecida logo que comecei a trabalhar em casa. As ferramentas virtuais tem ajudado muito. Leio que Farroupilha adotará isolamento humanitário, reativando atividades econômicas. a  decisão contraria determinações do governo estadual. O prefeito está amparado pelo seu pessoal da saúde? Afinal, estes são os profissionais que entendem do assunto.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895