Ídolos populares

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Morreram Claudiomiro e Paixão Côrtes.

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      Claudiomiro foi um dos nossos primeiros ídolos. O jogador do Internacional chegava em Palomas pelas ondas da Rádio Guaíba. Os seus feitos entravam melhor em nossos ouvidos à noite, quando havia menos chiados e mais emoção nas frases perfeitamente audíveis até o sono nos derrubar. Ouvíamos a narração dos seus gols e alguma fala dele em entrevistas e pensávamos, ele é como nós, fala como nós, é dos nossos. Nos ensolarados dias de inverno ou nos escaldantes jogos de verão, queríamos ser Claudiomiro. Eu, branquelo, não tinha a menor chance.

Para nós, desde o começo, Claudiomiro era uma lenda, ainda que tivéssemos dificuldade para separar lenda e realidade. Acreditávamos francamente em lobisomem, mula sem cabeça, boitatá e fantasmas arrastando correntes em galpões e mangueiras de pedra. Por que não pensaríamos em Claudiomiro com um ente assim? Ele fizera o primeiro gol do Beira-Rio e isso enchia nossas cabeça de fantasias. Passávamos horas tentando imaginar o tamanho do estádio colorado. Nossa medida era a mangueira, em linguagem urbana, o curral. Quantas mangueiras grandes caberiam dentro do Beira-Rio? Havia quem falassem em cem.

Contaram que o pai de Claudiomiro tinha uma carroça. Era a prova de que ele vivia como nós e era um de nós. Nossos pais também tinham carroças. Falavam que ele estacionava o seu Dodge Dart atrás da carroça do pai. O seu Darcy fazia o mesmo na frente do bolicho do Rubens. Ele chegava com seu carrão flamante, vermelho, poderoso, tão comprido quanto um banheiro de gado. Não havia banheiras em Palomas. O apelido do atacante era Bigorna. Entre nós sempre havia um Marreta.

Brigávamos para saber quem seria o Claudiomiro da pelada. Maninho e Dineco levavam vantagem. Eram negros e bons de bola. Vez ou outra, por bondade ou em troca de alguma coisa, como uma revista do Zorro comprada no trem, me deixavam ser Claudiomiro. Fiz alguns gols nessa nobre condição. Ainda me ocorre de sonhar com algum desses momentos fantásticos. A bola era uma cabeça de boneco. A vida era pobre e bela. As manhãs eram doces, as tardes, intermináveis, as noites, cheia de mistérios, de expectativas e de vozes no rádio.

Sempre havia alguém contado uma anedota sobre Claudiomiro. Eram todas engraçadas. Ele tropeçava nas palavras como nós. Cometia as mesmas gafes que os nossos tios, primos, pais, conhecidos. O Elmar, um solitário que passou algum tempo em Palomas e depois sumiu tão rápido quanto havia aparecido, adorava Claudiomiro. Sempre soltava o bordão:

– Esse Claudiomiro é um cavalo de bom.

Cavalo bom era tudo. Jogador e cavalo ruim eram matungos. Uma grande briga foi quando um peão de estância andarilho disparou esta:

– O Sérgio Galocha é um matungo perto do Bráulio.

Mas essa é outra história. Claudiomiro para os colorados de Palomas dava dezessete em terra lavrada. Era outra medida importante. Um parâmetro de apaixonado por carreira de cavalo em campo aberto. Partiu Claudiomiro. Só posso terminar como um palomense da gema:

– Que faça muitos gols na invernada grande do céu.

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Paixão Côrtes foi um homem sincero no seu culto ao homem da campanha. Ajudou a criar um ritual que organiza a vida de milhões de gaúchos dando-lhes um agregador social e o "cimento" que os cola, como diria Michel Maffesoli sobre o tribalismo, e faz vibrar juntos. Os CTGs são ótimos nesse sentido. Podem ser questionados, contudo, na ideologia que propagam. A forma, nesse caso, é mais importante. Ela dá forma. O conteúdo passará.

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Donaldo Schuler lança hoje, 19h30, no Instituto Ling, “Literatura Grega – Irradiações”. Tem bate-papo com o psicanalista Robson Pereira.

 

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