A arte dos caos no Rio de Janeiro

A arte dos caos no Rio de Janeiro

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Estudiosos do futuro analisarão o “case” do Rio Janeiro como um modelo de produção de caos e de corrupção em escala macro. Eles partirão de perguntas simples: como foi possível ir tão longe? Como os organismos de fiscalização não viram o que estava acontecendo? Onde estava a sociedade civil enquanto os políticos roubavam livremente? Como bons cientistas, formularão hipóteses: o Rio de Janeiro foi vítima da distração da sua generosa população. Ou: um vírus anestesiou os fluminenses permitindo que seus representantes os saqueassem à luz do dia. Na falta de coisa melhor, especularão sobre o clima, a cultura e até a velha questão da malandragem como matriz de comportamento.

Esses pesquisadores do futuro ficarão perplexos com os dados coletados. Uma lista de dez corruptos até os fará duvidar da veracidade dos documentos: 1) um governador era corrupto, o maior de todos, o chefe da quadrilha, o cérebro da engrenagem; 2) o presidente da Assembleia Legislativa foi para a cadeia, onde usaria fraldas geriátricas, acusado de integrar o bando que assaltava o Estado; 3) o secretário estadual de Administração Penitenciária, coronel da Polícia Militar, foi parar atrás das grades suspeito de participar da máfia que superfaturava o fornecimento de pãozinho para os presos; 4) o esquema contava com a colaboração do secretário-adjunto de tratamento penitenciário, que nada se faz sozinho; 5) a operação não dispensava a ajuda civil do Diretor Geral de Polícia Especializada. Equipe total.

Já seria o suficiente para os pesquisadores do futuro escreverem relatórios bombásticos. Mas eles encontrarão mais material: 6) um secretário de Obras da prefeitura do Rio de Janeiro também conheceu as masmorras cariocas por desvio de recursos públicos e recebimento de vantagens indevidas; 7) o secretário da Casa Civil do governador corrupto alcançou o mesmo privilégio de ser conduzido em viatura policial para uma cela desconfortável sob a comprometedora acusação de favorecer empresas amigas com verbas públicas; 8) um secretário da Saúde, acostumado com Spa, foi conhecer a vida de presidiário por causa de fraudes na licitação de próteses; 9) cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, organismo responsável pelo controle das contas públicas, ganharam o status de presidiários por suposto envolvimento em esquema de demanda de propina. Sério?

Seríssimo. 10) O presidente da Assembleia Legislativa não foi para a cadeia sozinho. Foi acompanhado por dois colegas, um ex-presidente da casa legislativa e o presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Há mais. Muito mais. Sempre mais. Os pesquisadores do futuro farão cruzamentos de variáveis. Descobrirão uma constante, um traço recorrente, um elo constrangedor: a filiação partidária dos envolvidos ou sua participação em equipes governamentais de um único partido. Os estudiosos perguntarão: quando todos os corruptos são do mesmo partido é cientificamente pertinente rotular a sigla de quadrilha? O Rio de Janeiro será objeto de palestras. Uma delas terá como título “a arte de produzir o caos”, o que também poderá atender pelo nome de roubalheira.

 

 

 

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