A convocação de Felipão e o espetáculo morno

A convocação de Felipão e o espetáculo morno

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Felipão falou

Definitivamente o espetáculo tem seus mistérios. Ninguém sabe, de fato, o que determina os maiores sucessos. Por que Paulo Coelho vende tantos livros e outros, semelhantes a ele, não conseguem os mesmos resultados? É um enigma. Houve um tempo em que a convocação dos jogadores brasileiros para a Copa do Mundo era uma coisa mágica. Parecia que mortais estavam recebendo uma recomendação divina para representar o país numa disputa capaz de consagrar ou de condenar ao esquecimento? A lista podia estar até numa folha de papel amassado como aconteceu em 1950. A magia não se apagava.

Desta vez, sob os holofotes da imprensa internacional, Felipão falou e não produziu encantamento. Será pela falta de um coletivo de estrelas? Nossa constelação está reduzida a Neymar? Pode ser até bom na medida em não haverá disputa de egos. Mas o espetáculo não produziu o fogo de artifício esperado. Os gols poderão alterar essa partida fracassada. Qual é o problema? Será a televisão? Há algo de pornográfico no espetáculo televisual. Tudo é mostrado por antecipação. Nada escapa. Nada precisa ser imaginado. Tudo se evade.

Do sexo ao gozo esportivo, tudo acontece no imaginário, que é esse suplemento de alma, esse “plus”, esse excedente mais real do que o real recobrindo as coisas banais. Quando não há imaginário no sexo, só há fricção de corpos. Não funciona. O imaginário, para desespero dos publicitários, é escorregadio. Até pode ser induzido, mas não há garantia de que haverá química entre os parceiros. A química do Brasil na Copa do Mundo poderá vir com os jogos, os corpos em movimento, os lances, tudo, enfim, por que não? As preliminares já falharam.

Será que a Copa em casa é como sexo para alguns? Os brasileiros andam com a cabeça cheia de problemas, estressados, preocupados, fazendo as contas, digerindo os escândalos, indignados com a Fifa, essa cafetina internacional, furiosos com os políticos e vomitando insultos. Será por isso que ainda não estão gozando? Será que vão relaxar e gozar na hora em que a Copa começar? Meu amigo Dominique Wolton, sociólogo francês racionalista, me ligou para tocar flauta: “Viu, seu decadente, mesmos os brasileiros, adoradores dessa prática estranha que é o futebol, um grupo de homens obcecados por uma bola, são capazes de se revoltar”.

Nossa revolta é tímida. Temos grunhido, resmungado, criticado, lamentado e comprado ingressos para os jogos. A televisão está dando tudo o que pode para convencer os brasileiros de que viverão uma orgia inesquecível. Incita-nos a cair na farra. Estamos com um pé atrás. O futebol está em nosso DNA. O que falta? Um pouco de excitação, de provocação, de estímulo, de liberação? A impressão que passa é de que seremos sodomizados pela Fifa. Aí o bicho pega. Uns gostam. Outros protestam.

Os encantos da Copa do Mundo feita em casa ainda não surtiram efeito. Nossa bola anda meio murcha. O discurso ufanista e familiar de Felipão teve a capacidade erótica de uma aula de Moral e Cívica.

Todo mundo ficou em posição de sentido, com a bandeira quase a meio pau.

 

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