A culpa foi do Messi

A culpa foi do Messi

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Heróis e vilões

 

      Alemanha perdeu. Argentina e Brasil empataram. Messi errou pênalti. A ideologia tecnicista pela qual o árbitro de vídeo tudo resolveria encontrou seu limite. O homem não a usou no caso brasileiro. Serviu para dar um pênalti inexistente à França. Viva a vida. A mídia espetaculariza. Até as crianças sabem disso. Para tanto, explora o imaginário de reis e rainhas, de heróis e vilões. Um exemplo da espetacularização cotidiana é este do UOL: “Maju encontra Bonner (pela 2ª vez) e faz previsão do tempo em russo”. Não, a moça do tempo não fez previsão em russo. Apenas brincou pronunciando algumas palavras em russo que um especialista lhe ensinara. Dizer a verdade não provocaria um só clique. As narrações de televisão dos jogos da Copa do Mundo seguem esse mesmo padrão. Cada vez que o herói toca na bola o tom sobe, a emoção dispara, o fato é ampliado, a narrativa épica é acionada. Muitas vezes, não passa de um reles toque lateral.

A Argentina empatou com a Islândia. Jogo perfeito para a espetacularização: Davi e Golias. Messi perdeu um pênalti. De quem foi a culpa pelo mau resultado? Em primeiro lugar, segundo especialistas de vários países do mundo, do treinador. Por quê? Por existir uma tese prévia em relação ao técnico a ser comprovada. A Argentina jogou mal. Isso pode ter resultado das escolhas do treinador. Quanto ao resultado, só houve um culpado: Lionel Messi. Ele errou o pênalti que daria a vitória. Como se diz, treinador não entra em campo, salvo quando indica o batedor, para cobrar pênalti. Pênalti é 90% gol. Um craque poderia errar um na vida. Nada mais. Messi erra 25% dos pênaltis que cobra. Por que continua a fazer isso? Não é o seu forte.

Que treinador poderia impedi-lo de bater? É aí que entra o frasista e diz genialmente: “Messi é Messi e estamos conversados”. A lógica da mídia é seletiva. Quando quer isentar alguém faz recuar a causalidade: “Se a Argentina tivesse jogado bem, se tivesse aproveitado as oportunidades, se tivesse criado mais, se tivesse escolhido o técnico certo, se tivesse mais planejamento, não teria empatado”. Ou, ao contrário, remete a causalidade para o futuro: “Messi poderia ter marcado e a Islândia empatado de novo, etc”. São artifícios, sofismas, especulações. O herói amado precisa ser protegido. Messi é espetacular. Disso não se duvida. Mas não tem sido, em copas do mundo, o gênio que é no Barça. Talvez lhe falte parceria. Cristiano Ronaldo, com menos parceria ainda, já fez bem mais com a seleção portuguesa e, pelo jeito, está disposto a fazer muito mais sem qualquer complexo ou temor.

Messi ainda pode arrebentar na Rússia. Tomara que faça isso. O futebol reaviva a dicotomia entre indivíduo e estrutura. Quem ganha é o coletivo ou a individualidade extraordinária? No pênalti, só existe o homem. É o gesto mais solitário. Na cobrança de falta, também. No drible, idem. Os europeus radicalizaram o futebol de aproximação e passe para sobrepor o coletivo ao individual. O futebol, porém, é um esporte de escores baixos. Em um lance isolado um indivíduo pode decidir tudo quebrando a espinha do novo cientificismo. Messi errou o pênalti. Não existe treino ou planejamento que possa lhe dar garantia de acerto. Se acertasse, seria herói. Errou. Por que não é o vilão? Um dos problemas da análise de qualquer assunto é a simplificação. Outro problema, que pode ser até maior, é a tentativa de hipercomplexificação, que gera um simplismo por exagero hipotético.

O simplista erra  incapacidade de pensar.

O hipercomplexo erra por incapacidade de parar de pensar.

 

 

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