A dificuldade de ser complexo

A dificuldade de ser complexo

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Fico perplexo quando me acusam de ter partido.

Durante muitos anos, fui rotulado de direitista.

Os petistas faziam abaixo-assinado contra mim.

Fui o primeiro a escrever Lulla.

Em outro campo, fui colorado na infância.

Depois, quando era repórter no Grêmio, virei tricolor.

Voltei a ser colorado.

Agora, sou ex-colorado. Por quê? Porque nunca consegui ser clubista. A verdade me importa mais do que a filiação.

Sou infiel. Anarquista epistemológico.

Admiro o tradicionalismo gaúcho pelo seu caráter de agregador social. É Michel Maffesoli na veia: lógica do estar-junto, da vibração em comum, cultura do sentimento, cimento social, compartilhamento, comunhão, tribalismo, pós-modernidade.

Mas não aceito a ideologia conservadora subjacente. Como historiador, que estudou a Revolução Farroupilha como poucos, tendo debulhado 15 mil documentos e dissecado, como ninguém, a traição aos negros em Porongos, não posso negar o passado.

Não poderia o estar-junto tribal existir sem um mito fundador do passado?

Na política, vejo o Brasil atolado: PT, PMDB, PP, DEM e PSDB se equivalem. Critiquei o mensalão e, ao mesmo tempo, apontei os casuísmos do julgamento comandado por Joaquim Barbosa como a teoria do domínio do fato, que permite condenar por ilação. Quero condenações globais. Questiono: por que o mensalão tucano não é julgado? Busco coerência.

Quero os mesmos parâmetros para todos.

Critiquei o governo Tarso Genro por não pagar o piso do magistério.

Critico o governo Sartori por atrasar os salários do funcionalismo podendo não fazer isso.

Defendo os salários em dia do funcionalismo, mas sou a favor de mudanças na previdência estadual.

Todos devem ter o mesmo regime de previdência, até o teto do INSS mais aposentadoria complementar para quem quiser.

Sou a favor do aumento de impostos proposto por Sartori e da volta da CPMF desejada por Dilma.

Defendo um Estado forte, mas não me oponho à privatização de empresas estranhas ao papel do Estado.

Acho que o governo Dilma se atolou e que o PT deu os doces. O Brasil precisa refundar quase todos os seus partidos.

Até os nomes dessas siglas precisam desaparecer.

Mas até agora não vi provas que possam determinar o impeachment da presidente Dilma. Sou legalista, garantista, objetivista e desconfio do ativismo jurídico, do subjetivismo ideológico e da política que se toma por moralismo.

Abomino a corrupção petista, tucana, peemedebista, democrata, pepista e outra mais. Aplaudo as políticas sociais dos últimos anos. Em educação, foi uma revolução inclusiva. Nunca tantos pobres e não brancos tiveram tanto acesso à universidade.

Aceito todos os pontos de vista, mas não posso legitimar o uso da corrupção como mecanismo ideológico para derrubar Dilma não pelos ilícitos possíveis do seu partido, mas por ódio às políticas sociais herdadas dos governos Lula.

Derrubem Dilma pela corrupção, se houver provas da sua responsabilidade, não pelo bolsa-família, pelas cotas e pelo ProUni.

Sou múltiplo, complexo, polissêmico, plural, eclético, independente, espacial, transoceânico, o máximo.

Minimamente.

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