A ditadura canibal e as terras dos índios

A ditadura canibal e as terras dos índios

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“Relatório Figueiredo”







Jango foi derrubado por ter decidido fazer a reforma agrária. Esse foi o estopim da sua queda. Os militares que tomaram o poder, contudo, permitiram uma redistribuição de terras bastante original: a ferro e fogo. A Comissão Nacional da Verdade, que completou um ano de trabalho, redescobriu o chamado “relatório Figueiredo”, um dossiê de mais de sete mil páginas, desaparecido por quase quatro décadas, organizado pelo procurador Jáder de Figueiredo Correia no final dos anos 1960. O material mostra como fazendeiros, empresários e amigos do regime espoliaram índios, exterminaram tribos e apropriaram-se das suas terras torturando e saqueando.

Entre as técnicas sofisticadas de “reforma agrária” usadas por esses “desbravadores” constam a trituração de tornozelos de índios, divertidas caçadas a indígenas com azeitadas metralhadoras e distribuição de açúcar envenenado. As práticas do Velho Oeste americano parecem inocentes quando comparadas às nossas. De quebra, segundo o balanço da Comissão Nacional da Verdade, houve “desvio de verbas, negociatas e negligência com populações em extinção”. Tudo isso na suposta ditadura sem corrupção. O pau comeu desde o primeiro dia. Como se sabe, só em 1964, em torno de 50 mil pessoas foram presas por “subversão”. Quarenta e quatro resistentes foram “suicidados”.

Aos que ainda falam na bobagem do tal “julgamento dos dois lados”, vale ainda citar o historiador Carlos Fico: “Não menos de 20 mil foram submetidas à violência da tortura. Nos cerca de oitocentos processos por crimes contra a segurança nacional, e encaminhados à Justiça Militar, figuraram 11 mil indiciados e 8 mil acusados, resultando em alguns milhares de condenações”. Aí está.

Segundo a Comissão da Verdade já foram identificados 223 casos de violações a direitos de camponeses “com participação direta ou indireta de agentes da ditadura no período 1961-1988”. Isso inclui tortura, assassinatos de padres e freiras, invasão de terras e “organização de movimentos armados de proprietários de terras”. Pelo menos 17 povos indígenas foram vítimas da sanha “reformista” dos “pacatos” representantes do progresso.  A Comissão Nacional da Verdade botou a mão em cima de 300 documentos ultrassecretos e 600 documentos secretos.

Volto a Carlos Fico: entre 1968 e 1973, a CGI analisou 1.153 processos de corrupção: “Mais de 41% dos atingidos eram políticos (prefeitos e parlamentares) e aproximadamente 36% eram funcionários públicos. Num único ato, em 1973, chegaram ao Sistema CGI cerca de 400 representações ou denúncias”. Fico pergunta: “Por que, então, fracassou a iniciativa de ‘combate à corrupção’ do regime militar pós- AI-5?”. A resposta é desconcertante: “Em primeiro lugar, a impossibilidade de manter os militares num compartimento estanque, imunes à corrupção, notadamente quando já ocupavam tantos cargos importantes da estrutura administrativa federal. Não terão sido pouco os casos de processos interrompidos por causa da identificação de envolvimento de afiliados ao regime”.

 

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