A falsa fragilidade de uma orquídea

A falsa fragilidade de uma orquídea

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Eu sempre acreditei na fragilidade das orquídeas.
E na dificuldade de carregá-las na rua.
É preciso atenção, equilíbrio, motricidade fina e elegância.
Não se carrega uma orquídea de cabeça baixa nem a passo de ganso.
Carregar uma orquídea é como andar numa passarela.
Marta, minha leitora gaúcha mais fiel, a número 1, me mandou uma orquídea de Natal.
Preparei-me psicologicamente para carregá-la da Rádio Guaíba até em casa.
Desfilei pela Caldas Jr. até o táxi com a elegância de uma Gisele Bundchen.
Levei o vaso com a orquídea sobre a mão esquerda espalmada.
Sentia-me levitar sob o olhar deslumbrado das mulheres e falsamente indiferente dos homens, os invejosos, cheios de raiva contra um portador de tudo o que as mulheres mais amam.
Entrei no táxi como um príncipe, o Princípe da Orquídea Azulada.
Cheguei ao Bom Fim como um rei voltando para casa.
Paguei o táxi e dei 50 centavos de gorjeta. Estou cada vez mais generoso.
A orquídea me fez abrir a mão (assim se produzem os falsos mitos urbanos).
Botei o pé na calçada sob o olhar atento de pessoas na parada do ônibus.
Tudo me parecia espetacular, lindo, uma cerimônia muito mais fashion do que a passagem do posto de apresentadora do Jornal Nacional da Fátima Bernardes para a Patrícia Poeta.
Foi aí que tudo aconteceu, como dizem os franceses, com suas expressões e fórmulas para tudo, foi aí que "tout a basculé". Soltei um grito, um "ah" seguido de "ai, ai, ai"...
A rua toda parou. A cena foi dantesca.
O pratinho sobre o qual se assentava o vaso com a orquídea girou na minha mão.
Fiz um gesto desesperado para evitar o pior.
A flor rodopiou e se projetou no vazio.
Estatelou-se na calçada como um corpo atingido por uma bala perdida.
Uma pétala se desprendeu. Ainda está lá feito um cadáver sobre a pedra suja e fria.
Inclinei-me desesperado. Que mico! Que perda!
Foi aí que vi o impossível: a orquídea estava praticamente intacta.
Recolhi-a, olhei-a com todo o carinho do mundo, ergui a cabeça e entrei triunfante no prédio.
As orquídeas, aprendi, são como as mulheres mais fantásticas: incrivelmente delicadas e extraordinariamente fortes ao mesmo tempo.
A Cláudia, por exemplo, é a orquídea da minha vida.
Que posso fazer? Sou romântico.

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