A grande mentira do século

A grande mentira do século

Cloroquina e tratamento precoce contra Covid

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      Este século só tem duas décadas e já faz parte da história milenar das pestes. Também já tem a sua grande mentira, agora chamada, como único legado perceptível de Donald Trump, o nefasto, de fake news: a cloroquina. Esse medicamento teve três fases no tratamento da Covid-19. Na primeira, foi esperança. Na segunda, dúvida. Na terceira, farsa. A história é simples como qualquer grande maquinação improvável: oferecer uma ilusão ao gado para ele ir diariamente ao matadouro produzir, consumir e morrer. No futuro, políticos reconhecerão que sabiam da ineficácia da cloroquina, mas que precisavam de algo para o povo não desanimar e a economia não parar.

      O movimento cloroquina teve as suas nuanças. Enquanto a vacina era só uma esperança, inflava-se o valor da cloroquina e diminuía-se o do imunizante. Alguns, mais enfáticos, desprezavam as vacinas. Ou até assustavam a população com possíveis efeitos perversos. Com a vacina sendo aplicada, ainda que em doses homeopáticas por falta de planejamento, políticos que amavam a cloroquina passaram a se afastar dela e até a furar fila para se vacinar. Em breve, não haverá um só político para admitir que apostou na cloroquina. Todos se apresentarão como grandes defensores da vacina. Alguns, bons de cálculo, elegeram-se tendo a cloroquina como cabo eleitoral. Atualizou-se o bordão: uma mentira contada mil vezes vira verdade. E assim a cloroquina curava.

      Didier Raoult, o maluco francês que legitimou a cloroquina para aparecer, sem testes cientificamente rigorosos, já a negou oficialmente. Depois disso, tentou recuar. A palavra dele tornou-se tão confiável quanto a cloroquina no combate ao coronavírus. Joe Biden assumiu a presidência dos Estados Unidos e declarou a Organização Mundial da Saúde líder no enfrentamento à Covid. A ANVISA, no domingo da liberação das vacinas, jogou uma pedra em cima das mentiras oficiais: não existe tratamento precoce contra o coronavírus. Qualquer pessoa de bem gostaria que a cloroquina funcionasse. Qualquer pessoa realmente de bem não sai mentindo por estratégia e interesse.

      Em tempos de pandemia não é exibicionismo ofertar uma citação para as despesas de reflexão no WhatsApp dos amigos ou da família. Vai um Spinoza: “Quem vive sob a direção da razão esforça-se, quanto pode, por compensar pelo amor, ou seja, pela generosidade, o ódio, a ira, o desprezo etc., de outrem para consigo mesmo”. Esses grandes pensadores são, por vezes, quase ingênuos: o amor contra o ódio. Deve-se dar um desconto: eles não chegaram a conhecer as redes sociais nem o marketing do ressentimento. Acreditavam na força da racionalidade. Se Freud tivesse nascido antes a história do pensamento grego teria sido outra. Ninguém mudou mais o mundo do que Copérnico, Darwin e Freud.

      A Sociedade Brasileira de Infectologia "não recomenda tratamento farmacológico precoce para COVID-19 com qualquer medicamento (cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, nitazoxanida, corticoide, zinco, vitaminas, anticoagulante, ozônio por via retal, dióxido de cloro), porque os estudos clínicos randomizados com grupo controle existentes até o momento não mostraram benefício". A cloroquina tem “ineficácia comprovada”. Que venham as vacinas.


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