A inocência de Rocha Loures

A inocência de Rocha Loures

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Rocha Loures, o homem da mala, declarou em depoimento que não sabia o que estava carregando. Assessor do presidente da República, ele protagonizou uma das cenas mais emblemáticas dos tempos atuais: a corrida com uma mala cheia de dinheiro. Um trote ansioso e culpado. Fico imaginando entrevistas com o inocente carregador da mala.

– O senhor não sabia o que estava levando?

– Uma mala.

– Mas não sabia o que tinha dentro dela?

– A mala não era minha.

– E daí?

– Não abro mala dos outros.

A inocência de Rocha Mala chama a atenção do mundo. Como ele pode ter sido tão “ingênuo” a ponto de carregar uma mala com meio milhão de reais sem ao menos desconfiar do que estava puxando a trote.

– Se o senhor não sabia que tinha dinheiro na mala, como está afirmando diante de nós, por que estava correndo daquele jeito?

– Não sei correr de outro jeito.

– Certo, mas para que correr?

– Para ir mais rápido.

­– Por que a pressa?

– Para guardar a mala. É perigoso andar de noite na rua com uma mala.

A argumentação de Loures tem lógica, uma lógica singular, sinuosa. Ele, por ser muito educado e prestativo, prontificou-se a transportar e guardar uma mala sem tomar o cuidado de informar-se sobre o seu conteúdo. O destinatário também não era do seu interesse.

– Não sou carteiro.

– Por que então aceitou levar a mala?

– Porque me pediram.

– Não disseram para quem era a mala?

– Não perguntei. Não me meto nas malas dos outros.

Lembrado de uma conversa telefônica na qual, ao ser informado de que receberia R$ 500 mil, teria dito “tá”, Rocha Loures protesta:

– Não digo “tá”. Sempre falo “está”.

– Mas é a sua voz?

– Dizem que é a minha voz.

Inocente e ingênuo, Rocha Loures pode entrar para a galeria dos personagens mais tolinhos da história do Brasil. Imagino a sua tese:

– Sou apenas discreto.

– Um discreto amigo do presidente?

– Não sou amigo dele. Fui seu assessor.

– O senhor será para sempre o homem da mala.

– Não é justo. Só fiz um favor a um conhecido.

Num mundo de cinismo, a inocência de Rocha Loures é comovente. Já não existem muitos homens dispostos a trotear com uma mala, desconhecendo seu conteúdo, apenas para ser gentil com alguém. Loures pode ser um exemplo de desapego, desinteresse, amizade e gentileza. Com tanta inocência e ingenuidade, será absolvido? É o homem do ano.

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