A lua e as lojas hipermodernas

A lua e as lojas hipermodernas

Inter vende mais jogadores do que compra

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Crianças e homens

 

     É incrível a adaptação do comércio às necessidades das mulheres. Fui com Cláudia visitar algumas lojas femininas de Ipanema, no Rio de Janeiro. Antigamente era tudo muito sem estrutura. As mulheres não sabiam onde enfiar suas crianças e seus homens, que ficavam andando atrás delas resmungando, puxando-lhes a saia, olhando o relógio, fazendo de conta que se interessavam por alguma coisa, tropeçando em outras crianças e homens, enchendo.

Não é mais assim. A metamorfose começou com as crianças. As boas lojas dispõem de um parquinho com ótimas distrações para que o público infantil masculino, pois as meninas preferem divertir-se com as mães olhando cada produto em exposição, não atrapalhe as compras. Fico me perguntando se há uma reprodução das relações dominantes de gênero nessas estratégias do consumo. Sim? Trata-se de um reforço às diferenças entre machos e fêmeas com as suas atribuições e separações clássicas?

Depois da espantosa evolução das condições de acolhimento aos meninos, já consolidada, veio a estrutura para os homens. É algo básico: confortáveis cadeiras para que eles esperem instalados. Homem detesta caminhar dentro de loja, mesmo quando as lojas estão lotadas de belas mulheres. Preferem contemplá-las sentados. Alguns se protegem atrás de óculos escuros. Outros, perdem o pudor e acabam tomando esporros das suas mulheres, que surgem do nada e acabam ouvindo uma pergunta fingida:

– Mas já viu tudo, amor?

– Safado!

– Que é isso amor? Olhou o outro lado? Tem coisa boa ali.

Lojas costumavam oferecer cadeiras e jornais para homens. Foi uma revolução. Os jornais sumiram. Os parquinhos para meninos começam a perder público. Pais e filhos são agora vistos sentados lado a lado brincando com os seus dispositivos eletrônicos móveis: celulares e tablets. Chegam a ser enternecedor. Homens de cabeça branca e meninos angelicais enterrados em seus jogos. Quem não está preparado, sai perdendo. Dou um exemplo. Um homem ficou em pé, na porta, se passeando (é diferente de passeando) de um lado para outro à espera da mulher.

– Você demorou demais, Joana – disse, quando ela voltou.

– Fique na sua, Pedro – ela respondeu.

Ele saiu atrás dela pela rua de rabo entre as pernas. Quem mandou não ter uma boa conexão 4G ou não usar o wireless da loja? Eu fiquei sentadinho. Bom menino. Manipulei meu celular freneticamente. Fiquei sabendo quase tudo sobre os acontecimentos da virada do ano. Até mandei algumas mensagem de Feliz Ano Novo. Só levantei a cabeça para olhar alguns vestidos coloridos muitos bonitos e com design muito moderno. Bela loja!

 

Idade da lua

      Eu sempre soube que a lua era dos namorados. Desconfiava também que ela era uma balzaquiana charmosa. Não sabia que era um pouco mais velha do que o imaginado. A lua é do tempo em que mulheres escondiam a idade. A balzaquiana era uma senhora de 30 anos. Hoje, anda pelos 50. Já a lua está apta a receber nossas poesias há 4,51 bilhões de anos. Nós é que nos atrasamos um pouco para a reverência. A ciência faz cálculos que me deixam tonto e até cético. A nova descoberta indica que a lua é entre 40 milhões e 140 milhões de anos mais velha do que se dizia.

A lua, se fosse brasileira, seria um grande problema para a Previdência Social e só se aposentaria aos oito bilhões de anos de contribuição. Os cientistas fazem as perguntas poéticas que mais me encantam: de onde vem a lua? As respostas me deixam sonhador: de um choque com a Terra? Pesquisadores da Universidade da Califórnia acreditam que a lua surgiu, 60 milhões de anos depois do sistema solar, de uma batida com a embrionária Terra. A prova disso seria que boa parte do material lunar tem a mesma composição do terrestre. Lua e Terra se acasalaram.

O mais impressionante, neste dias em que lamentamos a morte do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, aos 91 anos de idade, pensador da modernidade e do amor líquidos, é a hipótese de que a lua já tenha sido líquida. Como disse Karl Marx, citação transformada em título de best-seller por Marshall Berman, tudo que é sólido desmancha no ar. Ou na falta dele. Até a lua. Aos brasileiros, no momento, falta paradoxalmente liquidez. Se bem que patrimônios sólidos escorrem pelos ralos de nossas políticas falidas.

Um professor de geoquímica declarou que "zirconitas são os melhores relógios da natureza". Que bonito! Por quê? Não sei bem. Gostei do ritmo e da melodia da frase. A lua é cheia de zirconita. Meu coração também. Como assim? É que acredito ser possível medir com precisão o tempo que ele tem passado acasalando-se com a lua em homenagens platônicas. "A idade real da Lua remonta à sua pré-história, antes de se solidificar", disse o professor Edward Young. Meu coração está cada vez mais sólido. Já foi líquido. Ainda se derrete diante das misérias do mundo, das sua belezas e de algumas noites de lua cheia.

Por quanto tempo ainda a lua existirá? Não se sabe. "Finalmente definimos uma idade mínima para a Lua", afirmou a pesquisadora Mélanie Barboni. Que obsessão! Tudo precisa ter uma idade mínima. A da Lua é quase igual à do tempo de contribuição para obter a aposentadoria integral proposto pelo governo de Michel Temer, que tem uma face lunar. Não? São apenas alguma crateras? Existe a lua dos namorados e a Lua dos cientistas. Uma é feita de poesia, a outra, de zirconita e outros minerais, alguns dos quais trazidos para a Terra pela missão Apolo 14.

Lua e Terra vivem em sintonia. Até quando? O tempo é um malandro que adora enganar os relógios. Talvez só a zirconita seja capaz de decifrar a sua eterna passagem. O meu tempo se mede pelo número de olhares lançados à lua.

 

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