A mídia é todo-poderosa?

A mídia é todo-poderosa?

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Poder da mídia

 

      No começo do século XX as teorias da comunicação eram categóricas: o emissor era forte; o receptor, fraco. O emissor disparava a mensagem, que era recebida como ele queria pelos diversos receptores. Teve teórico de direita que caracterizou a massa como um bolsão amorfo de gente capaz de ser manipulada pelo emissor todo-poderoso. Depois, a manipulação virou um tema querido da esquerda. Qual o real poder da mídia? Ela manda e desmanda em nós? Ou só nas massas amorfas, sugestionáveis, vulneráveis e incultas, ou seja, os outros? As teorias da recepção relativizaram o poder do emissor.

Em 1983, Umberto Eco publicou um texto intitulado “A multiplicação dos mídias”. Nele, o semiólogo italiano escreveu: “O que são hoje os rádios e as televisões, sabemos muito bem. Pluralidades incontroláveis de mensagens que cada um usa e compõe como quer, com o controle remoto. Não é que mude a liberdade do usuário, mas o que muda com certeza é o modo como ele é ensinado a ser livre ou controlado”. A sacada de Eco já não vale mais? A teoria da emissão manipuladora suplantou a da recepção pluralista? Em 1967, Eco sustentara que um golpe para tomar o poder já não recorria a tanques, salvo no mundo subdesenvolvido dos generais fascistas, mas à comunicação. Não bastava tomar a sede do governo. Era preciso controlar a emissão das mensagens. Mais ainda, a recepção delas: “Quem nos garante que o artigo de jornal será lido do modo que desejamos?” Essa era a dúvida.

Em 2018, no Brasil, a dúvida parece ter desaparecido. A mídia manda, a gente obedece. Quer dizer, a massa. Nós, que constatamos isso, não fazemos parte da massa. Somos ilustrados. Podemos guiá-la. Essa briga é velha. O francês Gilles Lipovestsky tratou dela num texto intitulado “Deve-se culpar a mídia?” Ela tem culpas. Mas dificilmente todas as culpas que lhe atribuem. Não que não deseje manipular. Acontece que enfrenta uma barreira chamada receptor. A mensagem bate e fragmenta-se no ar conforme a experiência e os filtros de cada um.

No seu polêmico texto de 1983 Eco ironizou: “Era uma vez os mass-media. Eram maus, é sabido, e havia um culpado. Depois havia vozes virtuosas que acusavam seus crimes. E a Arte (ah, por sorte), que oferecia alternativas para quem não fosse prisioneiro dos mass-media. Pois bem, tudo acabou. Temos que começar de novo a nos perguntar o que está acontecendo”. A esquerda cobra isenção o tempo inteiro. Quando, porém, alguém se diz isento, é logo avisado de que isso é filosoficamente impossível ou rotulado de “isentão”. A direita, sempre pragmática, chama de isento quem diz o que ela pensa. Curioso.

Estou nesse trabalho há mais de 30 anos. Sempre que alguém elogia o que escrevo, desconfio. Poucos se importam com a forma. A maioria prefere o conteúdo. Quando digo o que o leitor pensa, ele me brinda com algo do tipo: “Como escreve bem”. Quem quer viver confortavelmente entra numa tribo e vive abraçado com ela. Se a defender nas situações extremas, será defendido quando estiver em perigo. Se for independente será odiado por todos e viverá em perigo.

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