A mídia e o passado que condena
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E mais: “Os escravos abaixo mencionados, em cujo ponto deverão comparecer os proponentes à sala da câmara municipal, sendo: Martim, cor preta, de 56 anos de idade, casado com a escrava Isabel, africano, de trabalho pesado, pedreiro, avaliado em 1:500$000. Isabel, cor preta, de 36 anos de idade, casada com o escravo Martim, crioula, de trabalho pesado, cozinheira (com três filhas ingênuas), avaliada em 800$000”.
E ainda mais: “Casemiro, cor preta, de 15 anos de idade, solteiro, crioulo, filho de Isabel, pra [sic trabalho leve, para serviço doméstico, avaliado em 1:500$000. Joaquim, cor parda, de 41 anos de idade, casado com a escrava Maria, crioulo, para serviço pesado, avaliado em 1:200$000. Maria, cor preta, de 56 anos de idade, casada com o escravo Joaquim, africana, para trabalho regular, lavoura, avaliada em 400$000”.
E mais: “Feliciano, cor preta, de 41 anos idade [sic, solteiro, crioulo, para serviço pesado, lavoura, avaliado em 1:200$000. Bonifácio, cor preta, de 36 anos de idade, solteiro, crioulo, para serviço pesado, lavoura, avaliado em 1:400$000. Adão, cor parda, de 31 anos de idade, solteiro, crioulo, para serviço pesado, lavoura, avaliado em 1:400$000. Caetana, cor preta, de 26 anos de idade, solteira, crioula, para serviço pesado e doméstico (com uma filha ingênua), avaliada em 7000$000”.
A abolição da escravatura chegaria em quatro anos. A campanha abolicionista já era grande. O jornal, porém, tinha interesses e responsabilidades. Seria enorme a perda de faturamento sem os editais de leilão de negros. No site com o acervo do diário paulistano pode-se ler agora mesmo: “O jornal O Estado de S. Paulo nasceu com o nome de A Província de São Paulo. Seus fundadores foram um grupo de republicanos, liderados por Manoel Ferraz de Campos Salles e Américo Brasiliense, que decidiram criar um diário de notícias para combater a monarquia e a escravidão. É estabelecida uma linha mestra, que caracteriza o jornal até hoje: ‘fazer da sua independência o apanágio de sua força’”. Que lindo!
Republicano e abolicionista, mas sustentado com editais de venda de escravos. Deve ter sido a estreia no seu mantra: pragmatismo sem ideologia. Ou o dinheiro acima de tudo. A imprensa mudou? Agora que ela é chamada de mídia tem outro comportamento? Tornou-se coerente? O Estadão custou a pegar o trem da abolição. Não gosta de falar em dívida histórica com o passado e com os escravos e seus descendentes. Talvez para não ter más lembranças. Dá lições de moral para o futuro e para estas eleições.