A morte de um filósofo alemão

A morte de um filósofo alemão

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Uwe-Justus Wenzel. In: Neue Zu¨richer Zeitung, dia 22 de abril de 2015.

Uma homenagem póstuma ao falecimento do Michael Theunissen

Uma outra vida que não a oferecida

No dia 18 de abril – conforme veio a domínio público – faleceu em Berlim o filósofo Michael Theunissen.

Despertava suspeita nele todos aqueles filósofos “que perdem sua reputação na relevância pública e reagem a este estado de coisas se oferecendo de modo servil à publicidade”. Michael Theunissen revelou isso numa entrevista que foi divulgada na Neue Zu¨rcher Zeitung por ocasião do seu septuagésimo aniversário em 2002. Com tal afirmação, ele não tinha em mente apenas aqueles colegas que tomam a arte de viver e a terapia como tendência e atividade principal da filosofia, mas também aqueles que oferecem assessoria política e, nesse caso, limitam-se a espelhar ideologias políticas. Tal prática Michael Theunissen certamente não apresentou; mesmo em outros espaços – como, por exemplo, o da publicidade acadêmica – ele raramente apareceu.

Ele se distingue de seus colegas – poucos anos mais velhos e ainda publicamente ativos – Ju¨rgen Habermas, Hermann Lu¨bbe e Robert Spaemann. Juntamente com estes e com outros filósofos, como Ernst Tugendhat, Dieter Henrich e Odo Marquard, Michael Theunissen deve ser certamente lembrado mesmo que por outras razões, porém com a mesma intensidade: todos iniciaram seus estudos após a Segunda Guerra Mundial e têm a seu favor, ou não, o fato de que eles cunharam – seja do mesmo lado, seja um contra o outro – essencialmente a filosofia de língua alemã de pouco tempo atrás, mesmo, assessoriamente, suscitando também a atenção da opinião pública ou não.

Theunissen também não concebeu a filosofia como um mero exercício acadêmico – desfazendo assim a associação de que a filosofia é algo afastado da vida. A filosofia era concebida por ele, se não como realista, assim, todavia, como significativa para a vida. Foi esse espírito cultural e histórico que ele buscou apresentar quando lecionou nas universidades de Berna, Heidelberg e Berlim.

A seu modo ele se referiu a Goethe e, ocasionalmente, citou o verso correspondente ao “Divã do Oriente e Ocidente“ (1819): “Quem não sabe dar conta de três mil anos permanece no escuro como um inexperiente e passa a querer viver dia a dia”. Contudo, na rememoração da história da proveniência – sobretudo por meio de uma interpretação sutil, meticulosa e cuidadosa dos clássicos filosóficos – Theunissen não parou aí. Ele tinha a convicção de que a filosofia tem a função de sugerir “uma vida alternativa à convencional” e, assim, preencher uma carência contemporânea que brota de um mal-estar, a saber, que não há alternativas a este modo de vida que levamos.

Theunissen defendia, vivenciava e ensinava que a filosofia tem sua origem e pulsão a partir dessa carência. Em outras palavras, a filosofia, contrariamente ao que se diz, não surge tão-

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somente da admiração, mas da experiência do sofrimento. Como ele formulou certa vez, “os homens deixariam de filosofar se existisse um mundo sem sofrimento”.

O pensamento de Theunissen ganhou força dialética a partir da tensão entre Kierkegaard e Hegel, Heidegger e Adorno, e moveu-se justamente em torno dessa perspectiva existencial, mantendo-se bastante próximo da Teologia. E foi aí mesmo, quando ele parecia se afastar de uma doutrina religiosa, que ele constatou como ponto de partida do seu embasamento filosófico a autoalienação de seu tempo: a experiência de não saber mais “quem nós somos enquanto seres humanos e o que nós devemos ser enquanto seres humanos”. A partir dessa experiência, a filosofia recebe sua legitimidade e adquire sua primeira orientação “negativista” – não daquilo que deve ser, mas daquilo que não deve ser. Theunissen defendida, neste sentido, um negativismo filosófico.

E qual seria a orientação última de sua filosofia? Ju¨rgen Habermas percebeu no pensamento de Theunissen um “contorno filosófico” do Evangelho. De fato, Theunissen, nascido em 1932 numa casa paterna pertencente à Igreja Confessante, foi inserido no protestantismo confessional; anos mais tarde viria a admitir que exercia – pelo menos também – uma “filosofia religiosa”. Embora “religiosa”, esta filosofia não se limitou ao cristianismo, como bem mostra sua monumental obra da maturidade: “Píndaro. A sorte humana e a virada do tempo” [Pindar. Menschenlos und Wende der Zeit (2000), uma obra sobre o antigo poeta Píndaro, que retrata a vida cotidiana dos homens e do Deus do tempo, mas que tem no cristianismo seu ponto gravitacional de existência.

Tradutor: Christian Iber, Porto Alegre, abril de 2015.

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