A política é uma ação entre amigos

A política é uma ação entre amigos

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Não se pode negar que o Brasil tem a sua originalidade. Em quantos países convencionais uma empresa pode financiar a campanha de um candidato e depois fechar contratos com o Estado comandado pelo patrocinado eleito? As empreiteiras são o câncer do Brasil. Pagam as campanhas políticas, recebem a melhor parte do bolo e, quando dá rolo, alegam que foram extorquidas. A CPI da Petrobras, que deve ser instalada hoje na Câmara de Deputados, é mais um primor de originalidade: o presidente da CPI, Hugo Motta (PMDB), teve 60% dos seus gastos de campanha bancados por empreiteiras que vai investigar. O relator, Luiz Sérgio (PT), ganhou das empresas que deve esquadrinhar em torno de 40% do que gastou para obter seu mandato.

Não interessa se essas doações foram legais. Quem paga a conta, cobra. Quem deve, não pode ser investigador isento. O Brasil é tão original que inventou a “propina legal”. Para abocanhar um contrato, a empresa se compromete a fazer doação de campanha pelas vias legais. O detalhe é que o dinheiro não sai do seu caixa, mas do valor superfaturado em comum acordo do serviço a ser prestado. Trocando em graúdos, o dinheiro ilegalmente saído dos cofres públicos vai para a bolsa dos partidos por caminhos eleitoralmente legalizados. Quando o bicho pega, monta-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito controlada pelos amigos que receberam doações legais e não se sentem impedidos de investigar, opinar e trabalhar com pretensa isenção. Bacana. Não? É mundo interessante que não cabe na ficção por não ser verossímil, embora exista.

Enquanto isso, na cadeia, em Curitiba, executivos de empreiteiras choram as pitangas por terem de usar uma privada comum para suas necessidades fisiológicas antes acostumadas à pompa do mármore. Dá uma pena. Não? Todos aqueles anjinho acostumados a formar cartel para mamar nas tetas estatais tendo de comer com a mão e lavar vaso sanitário. Depois dessa, o juiz Moro é o meu herói. O capitalismo brasileiro não se constrange em pagar propina nem em se financiar com dinheiro do BNDES. O seu consolo é que a propina é uma instituição do capitalismo internacional como demonstram empresas do tipo Siemens e Alstom.

Quando a coisa aperta, faz-se um acordo com a justiça, paga-se uma multa elevada e toca-se o barco com as barbas de molho por algum tempo. Depois, a roda da fortuna gira e começa tudo de novo.

O capitalismo da propina é uma rentável ação entre amigos.

O governo brasileiro de esquerda, patrocinado por amigos banqueiros e empreiteiras, vai dar um talho nas pensões, no seguro-desemprego e em outros “privilégios” da insaciável classe trabalhadora. Outra saída seria, como recomendam o prêmio Nobel de economia Paul Krugman e a nova estrela internacional do assunto, o francês Thomas Piketty, taxar as grandes fortunas aumentando as alíquotas de impostos de quem ganha muito mais. O empresário Jacob Barata, o rei dos ônibus do Rio de Janeiro, poderia contribuir com o dinheiro que guarda no exterior graças aos bons serviços secretos do HSBC. Todo ano, porém, ele pede novos aumentos nas passagens, sem que os números reais dos seus lucros sejam mostrados.

O Brasil é original: o governo eleito pelos pobres quer governar para os ricos.

 

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