A primeira das grandes fake news

A primeira das grandes fake news

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Marmiteiros

 

      As eleições de 2018 foram dominadas pelo tema das fake news.

As redes sociais potencializaram um velho costume: divulgar notícias falsas para tentar induzir eleitores a rejeitar candidatos. Essa tendência tem a idade da fofoca. É claro que graças às tecnologias atuais a possibilidade de atingir o país inteiro em segundos enlouquece os gênios do mal. A primeira grande fake brasileira talvez tenha sido aquela inventada por Hugo Borghi, em 1945, para favorecer Eurico Gaspar Dutra e liquidar o brigadeiro Eduardo Gomes. Na época, militares polarizavam a disputa eleitoral.

Empresário, acusado de receber empréstimos privilegiados do Banco do Brasil, Borghi financiou a campanha do “queremismo”, termo criado para defender a permanência de Getúlio Vargas no poder. Como não foi possível levar a cabo essa ideia, passou-se ao “plano B”. Na hora certa, Getúlio mandou votar em Dutra. O adversário era Eduardo Gomes, da UDN, uma espécie de Partido Novo de então, ou de Novo, MBL e PSL juntos. Borghi teve uma ideia maligna: mandou imprimir e inundar o país com panfletos divulgando uma suposta declaração de Eduardo Gomes: “Não preciso dos votos dos marmiteiros”. Era desprezar a massa que comia quentinha no trabalho.

O estrago foi imenso. Dutra disse que nada tinha a ver com o negócio. Não podia controlar os seus apoiadores. A frase de Eduardo Gomes, proferida no Teatro Municipal do Rio de Janeiro (candidatos falavam em teatros naqueles tempos), era um pouquinho diferente: “Não necessito dos votos dessa malta de desocupados que apoia o ditador para eleger-me presidente da República". De qualquer maneira, um enorme erro de marketing. Eduardo Gomes era dado como vencedor certo do pleito. Faltava um mês para o comparecimento às urnas. Borghi construía suas fake news com esmero.

Pegou a expressão “malta” da declaração verdadeira de Gomes e procurou em dicionários todos os sentidos atribuídos a ela. Descobriu um que lhe servia: “Grupo de operários que percorrem as linhas férreas levando suas marmitas, marmiteiros”. Logo, podia dizer que não estava mentindo. Esse cuidado se perdeu. Para que tanto mimimi se é para mentir mesmo? A fake de Borghi foi difundida em rádios e em jornais. Não teve erro. Dutra virou o jogo. Era um homem simples, meio tosco. Foi criticado, durante seu governo, pelo mau uso das reservas cambiais brasileiras. Fortaleceu as relações com os Estados Unidos. Enfim, essas coisas de um passado remoto.

A piada mais famosa sobre Dutra também era fake. Dutra recebe o presidente estadunidense Truman no Brasil. O norte-americano cumprimenta: “How do you do, Dutra?” O brasileiro responde: “How tru you tru, Truman?” A mais marcante decisão tomada ao longo do seu mandato foi a proibição dos jogos de azar no país. Dutra teria assinado o decreto por influência da líder do lobby contra o jogo: sua esposa Carmela, conhecida como Dona Santinha. Ela também teria determinado o fechamento do Partido Comunista Brasileiro. Os eleitos tiveram seus mandatos cassados. Outros tempos!

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