A radicalidade dos sensatos

A radicalidade dos sensatos

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Nunca escondi que temo o radicalismo das pessoas “sensatas”.

Elas vão ao extremo do fundamentalismo para fazer valer o status quo. O senador escravista Paulino de Sousa, que estudei para meu livro “Raízes do conservadorismo brasileiro -  a abolição na imprensa e no imaginário social” (Civilização Brasileira), era um exemplo de sensatez. Ponderadamente, com voz melíflua, rotulou a lei Áurea, pouco antes da sua sanção, de “inconstitucional, antieconômica e desumana”. Daí a minha conclusão paradoxal: os radicais são os muito sensatos.

Depois do julgamento do TSE, que absolveu a chapa Dilma-Temer passando por cima de fartura de provas, Carlos Velloso, ex-presidente do STF, mostrou que é um radical da sensatez. Declarou que a decisão foi correta por ser o TSE uma instituição séria e responsável, sendo que instituições sérias e responsáveis só podem decidir séria e responsavelmente. Elementar. Velloso elogiou com tom de voz sensato a imensa cultura jurídica de Gilmar Mendes. É a sensatez que assegura: Michel Temer é o menos pior para o Brasil neste momento de crise.

Examinemos essa verdade sensata. Michel Temer chegou ao poder graças a uma trama nebulosa. Assumiu com baixa legitimidade. Na sequência, foi gravado pelo empresário Joesley Batista numa conversa pouco republicana na qual diz “ótimo, ótimo” ao saber que o visitante se gaba de “estar segurando” dois juízes e de ter um procurador da república a seu serviço. Poucos antes, Batista havia declarado estar em boa relação com o presidiário Eduardo Cunha. Temer aconselhou sensatamente: “Tem de manter isso, viu?” Joesley pediu que fosse nomeado um interlocutor para tratar dos seus interesses com o presidente da República. Temer indicou Rodrigo Loures, que mais tarde seria filmado a trote com uma mala de dinheiro recebido de um preposto de Joesley Batista. Loures agora reside, de cabeça raspada, na Polícia Federal, mas pretende voltar à Papuda para tomar sol.

Não bastasse esse rolo, Temer foi acusado por Ricardo Saud, o homem de Joesley que entregava malas de dinheiro a Loures, como tendo embolsado um milhão de reais de uma propina de R$ 15 milhões. O Procurador-Geral da República colocou Temer na sua mira por corrupção passiva e outros crimes. O presidente investigado terá um upgrade ao ser denunciado. Só vai ser réu se a Câmara dos Réus autorizar. No final da semana passada surgiu uma nova bomba: a ABIN, a agência de arapongagem do governo, teria bisbilhotado a vida do ministro do STF Edson Fachin, relator da Lava Jato, para descobrir seus podres, como uma viagem num jatinho da JBS, para neutralizá-lo e até descartá-lo. Avião que Temer também usou, negou, admitiu e mentiu que não sabia a quem pertencia, sendo desmentido pelo dono do jatinho e pelo piloto. A presidente do STF, Carmen Lúcia, chamou isso de coisa de ditadura.

Michel Temer sensatamente telefonou para a ministra Carmem Lúcia e negou a tal arapongagem típica da ditadura que o seu partido, o MDB, depois PMDB, só quis combater pela via legal da oposição consentida, recusando a luta armada dos radicais. Temer optou pelo sensato “isso não existiu”. Se tiver existido, não passou por ele, que de nada saberia. O mercado também é um radical da sensatez. Quer as reformas, com ou sem Temer. Sensatos querem uma eleição indireta, que poderá colocar na presidência o investigado Rodrigo Maia (DEM), a uma eleição direta, que poderia levar o temido réu Lula de volta ao poder. Sensatos combatiam ontem a corrupção e hoje protegem seus corruptos de estimação. Sensatos consideraram que negar a realidade e as provas em nome de uma ficção jurídica foi o melhor para a nossa “estabilidade”. Os que ontem defendiam o rigor da lei, hoje defendem seus corruptos de estimação.

Sensatos aceitaram as pedaladas fiscais, praticadas por todos os presidentes antes de Dilma Rousseff – fazer banco público adiantar dinheiro para o governo federal quitar compromissos e receber de volta depois –, como motivo suficiente para a destituição da presidente. Os mesmos sensatos radicalizam agora e defendem que não seria bom para o Brasil ter mais um presidente afastado em tão pouco tempo. Sensatos afirmam que falar assim é defender o petismo. Os mesmos sensatos sugerem que manter Temer não é contradição, mas responsabilidade. Sensatos queriam tirar Dilma para estancar a crise econômica. Sensatos agora querem preservar Temer para que ele faça as reformas do mercado.

Definição de sensatez: interesse político, econômico e ideológico. Por que seria sensato e responsável conservar no poder um presidente acusado de corrupção e de espionagem de um ministro do STF? Por que seria insensato devolver ao povo, do qual emana todo o poder, a decisão sobre um novo presidente? Para os sensatos uma eleição direta seria golpe, mas não o impeachment das pedaladas fiscais de conveniência. Sensatamente o PSDB de Aécio Neves decidiu ficar no poder com Temer. Até pouco tempo os sensatos diziam: “Eu não votei em Temer”. Era uma maneira de ufanar-se sensatamente de ter votado em Aécio. O xiita da sensatez é um perigo. Um terrorista da prudência.

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