A segunda condenação de Lula

A segunda condenação de Lula

O ex-presidente recebeu sua segunda sentença. Justa ou duvidosa?

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Lula foi condenado pela segunda vez nesta semana. Mais uma, pede música naquele programa de nome com alta autoestima. O PT diz que se trata da velha perseguição ao “líder popular” e que a juíza Gabriela Hardt dá continuidade ao projeto político de Sérgio Moro. A justiça diz que as provas são suficientes. A direita lembra que lugar de criminoso é na cadeia. Uma parte do Brasil delira e comemora. Outra parte lamenta. Há uma parte que pondera e leva ovo e tomate. O problema não seria Lula estar preso, mas os que continuam soltos. A justiça explica que são processos diferentes, instâncias diversas, situações particulares, ritmos próprios. Michel Temer não podia ser processado por estar na presidência da República. Agora, seus perrengues foram enviados à primeira instância.

      Digamos que Temer venha a ser condenado por roubalheira. Significará que se permitiu que o ladrão ficasse no comando pelo bem do Brasil durante dois anos? O Senado livrou a cara de Aécio Neves quando a polícia chegou perto dele. O tucano deu um passo atrás para escapar da cana e se elegeu deputado federal graças aos votos dos eleitores mineiros que cultivam corruptos de estimação. Romero Jucá e outros caciques do MDB devem ter problemas nos próximos meses ou anos. Enquanto isso não acontece, Jucá desfrutará de sua aposentadoria do Senado fixada em R$ 23 mil. O ministro Sérgio Moro enviou projeto ao parlamento para endurecer a legislação contra crime violento, crime organizado, corrupção e caixa dois. No atacado, o projeto é bom. Moro quer que caixa dois seja crime. Faz bem. Os seus críticos ressalvam que ele absolveu o colega Onyx Lorenzoni do crime de caixas dois graças a um simples pedido de desculpas do interessado.

      Tudo indica que Lula foi beneficiado por amigos “interessados” no caso do sítio de Atibaia. Juristas, desqualificados como “petistas”, alegam que não haveria provas cabais. Para os defensores de Lula, ele foi condenado na primeira vez por um apartamento onde nunca morou, do qual nunca teve título de propriedade e que seria propina por contrato oferecido à empreiteira na Petrobras nunca especificado. Para a Lava Jato, isso é racionalização e tentativa desesperada de esconder o óbvio. O roteiro seria o mesmo no caso do sítio de Atibaia, com o agravante de que Lula e sua família frequentavam o local e deixavam lá as escovas de dente.

      Há um embate ideológico por trás do enfrentamento jurídico. Uns e outros se acusam de percepção seletiva da corrupção. Moro não estaria chocado com as acusações que envolvem Flávio Bolsonaro e seu assessor Fabrício Queiroz. Evidentemente que não é sua atribuição investigá-los. O seu silêncio é que chama a atenção. O mesmo se poderia dizer dos adeptos do bolsonarismo. Lula é carta fora do baralho. Salvo se ganhar o Nobel da Paz. O cidadão comum de poucas paixões, caso cada vez mais raro, exclama:

– Não tem inocente nessa história!

      Por coerência, seria melhor prender todo mundo.

Tem gente quem ache que, não dando para prender todo mundo, prender um, sendo certo um, já está de bom tamanho. Mas por que mesmo não é possível prender todo mundo?

A juiza tinha pressa. O seu tempo estava acabando. Tratou Leo Pinheiro e José Aldemário como pessoas diferentes. É verdade que esse tipo de gente tem muitas caras. Ela precisava aproveitar a oportunidade para escrever seu nome na história. No caso, a biografia de Lula.

Dizer isso não implica defender Lula, mas cotejar fatos com datas. Dois dias depois da condenação de Lula, o TRF-4 definiu o nome do novo juiz da Lava Jato, encerrando o período de holofotes de Gabriela Hardt. Ela se apressou para brilhar? Talvez só tenha querido não deixar trabalho incompleto para trás. Tudo é possível. Juristas não se entendem.

Ao propor no seu projeto anticrime que a prisão em segunda instância seja prevista em infraconstitucional , no Código de Processo Penal e outros textos, Sérgio Moro admite que até agora operou nas franjas do sistema graças ao atual entendimento do STF sobre a questão. Melhor será mudar também a Constituição. É justo prender depois da condenação por colegiado. Só não é correto para isso ter de fazer interpretação criativa da Carta Magna. Como dizia Umberto Eco, muitas interpretações são possíveis, mas não todas. Salvo quando se tem o poder de dizer o que a Constituição diz. Legal não é o que diz a lei, mas o que o agente autorizado da lei diz que ela diz. Onde se lê leão, o agente pode ver taco de golfe.

 

 


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