Abaixo a realidade política

Abaixo a realidade política

publicidade

Abaixo a realidade

 

      Fazia tempo que eu não encontrava ocasião para citar o genial pensador francês Jean Baudrillard, meu amigo de papo e vinho em Montparnasse. Num momento de liberdade vocabular ele escreveu: “A realidade é uma cadela”. Jean não tinha preconceitos com a prostituição. Não me consta que maltratasse animais. Estava apenas usando a terminologia popular. O Tribunal Superior Eleitoral, ao absolver a chapa Dilma-Temer, confirmou essa percepção. Todo o trabalho dos amigos de Temer consistiu em desqualificar a realidade para consagrar a ficção jurídica como verdade incontestável e útil.

Aparelhado por Temer, que, graças a um retardamento do processo, teve tempo para instalar dois dos seus juízes de junho, o TSE comportou-se como um teatro de “vaudeville” com a elite branca mostrando suas nádegas para o público popular sem o menos embaraço. Os ministros Herman Benjamin, Luís Fux e Rosa Weber fizeram papel de bobos da corte numa caricatura de justiça isenta. A realidade foi colocada no seu devido lugar: atrás da porta e embaixo do tapete. O TSE decidiu que a prova, essa vadia, chegara tarde demais. Num arroubo de responsabilidade conveniente, Gilmar Mendes e seus parceiros determinaram que a estabilidade do país vale mais do que a verdade. A classe que antes rugia nas ruas não aplaudiu nem vaiou. Silenciou.

Um bom enredo exige contradições e paradoxos. Os petistas que atacam a absolvição da chapa pelo TSE têm a consciência de que com essa crítica condenam Dilma afirmando que houve crime? Ou apenas queriam vingança? O importante é que a tese do golpe e da seletividade do combate    à corrupção saiu fortalecida. Nesta semana, com o capital biográfico lavado pelo TSE, Temer deverá ser denunciado pelo Procurador-Geral da República como chefe de quadrilha. Nada que possa incomodá-lo ou tirar-lhe o sono. Dificilmente lhe faltarão 171 votos na Câmara dos Deputados para livrá-lo de mais essa infame perseguição da realidade. Os políticos hesitarão alguns segundos. Afinal, diferentemente dos ministros do TSE, eles dependem de votos populares. Nada que não possam obter com sedução e recursos para campanha.

Como nos tempos passados em nossas cidades interioranas, onde a linguagem era rude, se bem que os sentimentos podiam ser nobres e generosos, os ministros do TSE que livraram a cara de Temer deram um chega para lá nessa cretina da prova que eles mesmos mandaram fazer:

– Saí pra lá, cadela. Já pra fora, Realidade.

A prova enfiou o rabo entre as pernas e foi para o olho da rua. A verdade encolheu-se e saiu de fininho. A Realidade partiu ganindo. O ministro Napoleão Nunes encontrou espaço para lançar uma fatwa contra a imprensa. Fazendo um sinal de degola, pediu que a ira do profeta recaia sobre blogueiros que o atacam. A cadela da Realidade exclamou:

– É isso um juiz! É assim que fala um homem de toga!

Depois dessa lição exemplar do TSE a realidade dificilmente terá coragem de entrar novamente onde não foi chamada. Nem com seus nomes de guerra: Verdade e Prova.

O TSE criou jurisprudência: vale a farsa.

*

Três ingênuos?

 

      Joaquim Barbosa, Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior tiveram seus dias de glória. Os três lutaram contra a corrupção e foram endeusados pelos antipetistas. Barbosa chegou a ser considerado o presidenciável dos sonhos dos que viam nele, como presidente do STF, o homem capaz de enterrar o PT. Janaína e Reale brilharam como signatários do pedido de impeachment de Dilma Rousseff. Barbosa, Janaína e Reale não estavam brincando: queriam combater a corrupção. Mas foram ingênuos: acreditaram que a direita, conduzida pelo PSDB, pelo DEM e por grupos como o MBL, tinha o mesmo objetivo. Pura ilusão.

O plano era outro: golpear Dilma e tomar o poder. A prova disso é que Janaína agora brada para o vazio contra os crimes de Temer e seu grupo. Miguel Reale acaba de sair do PSDB ao saber que os tucanos ficariam no governo Temer apesar de tudo o que Brasil ficou conhecendo sobre malas de dinheiro graças às gravações de Joesley Batista. Na segunda-feira, no Esfera Pública, na Rádio Guaíba, entrevistamos Roberto Romano, professor de ética da Unicamp. Era para contrabalançar o peso dos outros convidados, ambos de esquerda, Roberto Amaral e Renato Rabelo. Romano, crítico ferrenho dos desmandos petistas, surpreendeu a todos declarando que houve um golpe no Brasil. Ele tinha dito isso outra vez para nós. A sua posição amadureceu com os fatos.

A máscara caiu deixando ver o rosto tatuado de Aécio Neves. Reali empenhou seu prestígio de jurista para desalojar Dilma do poder. Seguia a sua consciência e a voz do seu líder, o neto de Tancredo Neves. Era tudo uma farsa. Coerente, ele quer o impeachment de Temer. Consequente, ao ver que o PSDB quer salvar Aécio e pouco se importa com ética, saltou do barco. Parabéns. Enquanto isso, o Senado desobedece mais uma ordem do STF, como fez no caso de Renan Calheiros e na determinação para formar comissão de impeachment contra Temer por ter assinado decretos de suplementação orçamentária ainda não época de Dilma, e não afasta Aécio. O sábio Fernando Henrique dorme no muro.

O ex-ministro Joaquim Barbosa sinaliza que poderá concorrer a presidente da República. Já não empolga. Os seus antigos fãs descobrem nele vários defeitos. É explosivo, sem jogo de cintura, inexperiente. Janaína continua a mesma, mas já não atrai multidões. No twitter, ela berra para poucos: “Estamos lindando com criminosos de graus diversos, se continuarmos calados, enquanto se rasgam provas, a situação só vai piorar! É grave!” Não só grave, Janaína. Seletivo. Reali saiu atirando:  “Não me sinto confortável em ficar num partido que permanece no governo Temer mesmo depois de todos os fatos revelados. Não dá para relativizar a questão ética. Participei de momentos importantes do partido. Mas cansei de vacilações. Espero que o muro do PSDB seja bastante grande para que o partido se enterre nele".

Quem se importa? Barbosa foi útil na aplicação da teoria do domínio do fato.

Janaína e Reale serviram de ponte para o passado.

Em honra deles devemos dizer que falavam sério e estão provando isso.

*
Gilmar Mendes é o home mais ingênuo do país. O seu instituto recebeu mais de dois milhões da JBS. Tudo legal, declarado e republicano. Sem qualquer conflito de interesse ou moeda de troca.

 

 

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895